
O progresso tecnocientífico, norteado pela razão e experimentação, e pautado pelo valor da eficiência, provoca diversos efeitos ambivalentes na sociedade e na biosfera advindos da relação de efeito mútuo existente entre as criações humanas – dentre elas a técnica – e a vida social e o meio ambiente.
Como fazer o ‘progresso’ incluir a defesa da dignidade humana, atenuando-se a ação do homem na natureza e seus efeitos sobre o ‘esgotamento’ do planeta e, ao mesmo tempo satisfazer nossas necessidades materiais?
A ciência e a técnica nos dissociaram da natureza – vista como uma ‘inimiga’ ou ‘serva’ da humanidade – e colocaram a ‘razão’ (fracionária, analítica) como imperativo, em prejuízo da imaginação e da visão integral do mundo. A ciência só pode conseguir uma visão parcial do universo e, ao consegui-la, desumanizou o homem.
Além de subordinar a natureza, outro efeito da disseminação da ‘técnica’ é a submissão da própria humanidade à técnica – e a quem a disponibiliza.
O homem aceita voluntariamente esse papel de servo da tecnologia em troca de uma ‘cesta’ de bens para consumo – às vezes de forma perdulária. Aceita, até, o controle do Estado em pagamento a essas ‘benesses’. É escravizado e se deleita em sua servidão, ainda que a chame de outros nomes.
Em 1971, Eugene Schwartz já alertava: “A ciência e a tecnologia não podem ajudar a resolver os problemas que o mundo enfrenta, justamente porque foram as forças que mais contribuíram para esses problemas. Elas ajudaram a fomentar as principais crises com que se defronta a humanidade e que o desenvolvimento das mesmas aumentará a insolubilidade dos problemas que concorreram para criar.”
A tecnologia se apoia no conceito de ‘quase-solução‘: todas as ‘soluções’ que apresenta deixam um resíduo de problemas não resolvidos que proliferam mais depressa que as suas soluções.
Jacques Ellul (1912-1994), no seu clássico “A técnica ou a aposta do século”, de 1954, antevê a destruição do homem na vitória da tecnologia. A aposta não era só na devastação do ambiente, mas também, no alheamento do homem, no crescimento da miséria – apesar do enriquecimento extraordinário de alguns – e no distanciamento social.
Claro, foi tido como herético e catastrofista pelos que sustentam o sistema econômico e tecnológico de crescimento sem limites.
Antecipava, também, que não se pode ter um estado técnico (onde o progresso técnico é caracterizado pelo automatismo), sem inevitavelmente criar um estado policial:
“A polícia aperfeiçoa de modo espantoso seus métodos técnicos, quer se trate de método de pesquisa ou de ação — e com isso só podemos nos rejubilar, pois representa uma proteção cada vez mais eficaz contra os criminosos.
Deixemos de lado a corrupção policial, para pensar apenas no aparelho técnico que se torna extremamente preciso. Esse aparelho, porém, será aplicado apenas aos criminosos? Sabemos perfeitamente que não, e, a esse propósito, somos tentados a reagir, dizendo que é o Estado que aplica esse aparelho técnico a torto e a direito; o instrumento não é responsável por coisa alguma. Erro de ótica.
O instrumento tende a aplicar-se sempre que pode ser aplicado; funciona porque existe sem discriminação.
As técnicas policiais, que se desenvolvem em ritmo extremamente rápido, tem por fim necessário a transformação da nação inteira em campo de concentração.” (Jacques Ellul)
Para Edward Tenner, em livro de 1997, “a tecnologia nos fez mais saudáveis e mais ricos (embora com crescentes desigualdades), mas não necessariamente mais felizes em nosso ambiente cuidadosamente controlado.”
Gilson Schwartz escrevia, em 2000, ecoando Gilberto Dupas: “Não se investe em cientistas, técnicos e equipamentos para saber a verdade, mas para aumentar o poder.”
Lembra: “A aventura moderna de autoconfiança da razão foi inaugurada claramente por Descartes e teve seus extremos na transformação do positivismo em religião.”
“O progresso é um mito renovado por um aparato ideológico interessado em convencer que a história tem destino certo e glorioso”, diz Dupas em “O mito do Progresso“.
Thoreau lavrava o pó de seus antepassados. Procurava “recuperar os prados que eles se tinham tornado.”