Philippe Descola é um antropólogo francês, agora professor no prestigiado Collège de France.
Ele realizou um estudo etnográfico de 1976 a 1979 com o povo indígena Achuar, que vive na floresta amazônica entre o Peru e o Equador.
Os Achuar fazem parte do grupo Jivaros, anteriormente conhecido como guerreiros e caçadores de cabeças.
É com o povo Achuar que Descola começa a questionar a noção de natureza.
Em 1983, ele completou seu doutorado sob a supervisão de Claude Lévi-Strauss, o antropólogo que é o pai do estruturalismo, um movimento que pretende decodificar as estruturas profundas ou modelos abstratos universais que moldam a variedade de organizações sociais humanas (como as estruturas de parentesco, por exemplo).
Entre outras tarefas, cabe à antropologia fazer o inventário de hábitos e costumes de etnias, apontar suas diferenças e tentar explicar suas razões.
Para fazer esse inventário, “é necessário ir ao encontro das pessoas e observar seus costumes, suas formas de fazer, de dizer; é necessário compartilhar sua vida cotidiana durante vários anos, aprender aquilo que sabem, compreender aquilo que fazem”, diz Descola.
O “bom senso” é um conceito local, ao contrário do que pensava Descartes (“O bom senso é a coisa do mundo mais bem distribuída …”). Pascal tinha uma visão mais realista: “Verdade deste lado dos Pireneus, erro do outro lado”.
Ao conviver com outros povos, principalmente os menos “aculturados”, aprende-se a questionar a evidência dos hábitos de nossa própria comunidade – aqueles que parecem inerentes ao bom senso, aprendeu Descola.
Na sua convivência com os Achuar, após um ano tentando aprender sua língua, espantou-se quando eles falavam a respeito de seus sonhos.
Eles se levantavam muito cedo, por volta das três ou quatro da manhã (iam dormir também cedo) e se reuniam ao redor de uma fogueira para decidir o que fariam durante o dia em função daquilo que haviam sonhado.
Em geral eles faziam a inversão entre a imagem sonhada e a indicação do que deviam fazer.
Entre os Achuar, acredita-se que a alma dos mortos se incorpora em diferentes animais e plantas.
“Sempre que eu perguntava aos Achuar por que os cervos, o macaco-prego e as plantas de amendoim apareciam sob forma humana nos seus sonhos, eles me respondiam, surpresos com a ingenuidade de minha pergunta, que a maior parte das plantas e dos animais são pessoas como nós.
Nos sonhos, podemos vê-los sem suas fantasias animais ou vegetais, ou seja, como humanos. (…)
A grande maioria dos seres da natureza possuem uma alma análoga à dos humanos, que lhes permite pensar, raciocinar, ter sentimentos, comunicar-se à maneira dos humanos e, sobretudo, fazer que vejam a si mesmos como humanos, apesar da aparência animal ou vegetal.” (Descola)
No pensamento amazônico, é impossível ver o mundo de uma perspectiva humana única.
Animais e plantas se veem como humanos. Mas eles não veem as mesmas coisas que nós, os humanos, porque não têm o mesmo corpo e habilidades sensoriais. Isso é o que Eduardo Viveiros de Castro teorizou como “perspectivismo“.
Adrian Tanner, um etnólogo que viveu entre os índios “cri“, no norte do Quebec, relatou que um ancião respeitado havia morrido e um ganso selvagem ficou voando em torno do vilarejo e pousou diversas vezes próximo à casa do defunto. Disseram-lhe que o ganso, era, na realidade, um amigo do morto, e que ele também estava chorando a morte do amigo.