
A vaidade tem várias expressões. A estética pessoal normalmente é uma preocupação daqueles voltados à beleza formal ou exterior, aparente.
Ela está associada à arte, mas nem sempre. Vemos muitos apegados a aspectos estéticos apenas para capturarem admiração e ‘aprovação’ dos outros, ao invés de um genuíno prazer artístico.
Fernando Sabino, no livro “A Mulher do Vizinho”, traz um conto que aborda a pavonice de um funcionário público que subordina a funcionalidade à forma:
ORGANOGRAMA
Dizem que em matéria de organização aquele Ministério é de amargar. De vez em quando um processo cai no vazio e desaparece para nunca mais.
Por que? Porque o único Ministro que se lembrou de organizá-lo, segundo me contaram, tinha mania de organização.
Mania oriunda de uma sensibilidade estética, um tanto exacerbada, capaz de exteriorizar-se em requintes de planejamento burocrático. Aparentemente, essa marca de sua personalidade condizia com as altas funções que lhe cabiam.
Mas só aparentemente: a primazia do fator estético, feito de equilíbrio, proporção e harmonia, passou a ser a determinante principal de todos os seus atos – tudo mais no Ministério que se danasse.
Como no remédio para nascer cabelo: não nascia, mas dava brilho.
Dizem que, quando tomou posse do cargo, a primeira coisa que fez foi encomendar a confecção de um artístico organograma.
– De um artístico o quê, Sr. Ministro?
Um organograma, ó imbecil: não sabia o que vinha a ser organograma?
A distribuição gráfica dos diversos departamentos e serviços sob sua gestão.
– Mas quero coisa caprichada, está entendendo?
Quando lhe trouxeram o trabalho, encomendado no Departamento do Pessoal, que por sua vez o encomendou a um desenhista particular, o Ministro não fez mais nada a não ser estudar a galharia daquela árvore geométrica, em função da qual as atividades de sua Pasta passariam a desenvolver-se.
Notou, todavia, que as divisões e subdivisões de cada repartição eram muito mais numerosas do lado esquerdo que do lado direito.
Acontecia que a primeira grande divisão à direita não tinha a mesma importância de sua correspondente à esquerda e se desdobrava em poucos serviços.
– Este organograma está uma droga. Não posso pendurar uma coisa destas na parede de meu Gabinete.
Pôs-se imediatamente a inventar novas repartições, serviços disso e daquilo – tudo fictício, irreal, imaginário – para restabelecer o equilíbrio organogramático: Departamento do Controle Administrativo, Serviço de Fiscalização Interna, Seção do Controle Processual:
– Se for preciso, a gente cria mesmo os serviços, faz as nomeações.
Não sei se chegou a fazê-lo; o certo é que novo organograma foi executado, e todo aquele que tivesse a ventura de penetrar em seu Gabinete podia admirá-lo:
– Tudo isso sob seu controle, Ministro?
E o Ministro, num gesto resignado:
– Para você ver, meu filho; não fosse eu, todo esse complexo administrativo já teria desabado para um lado, como uma árvore desgalhada.
Dizem, mesmo, que até hoje o magnífico organograma figura no tal Ministério, como uma das mais importantes realizações de sua gestão.