
Em março de 1969, tempos escuros, D. Hélder Câmara proferiu um discurso na PUC de São Paulo, na Escola de Engenharia Industrial.
Começa alertando para as ‘especializações’: “A especialização, em nosso século, chegou a extremos tais que um homem como o Pe. Lebret morreu sonhando ver, ao lado das Universidades de hoje, com suas escolas e institutos especializados, Universidades de síntese.”
Contextualizando: em novembro de 1964, o presidente Castelo Branco promulgou o Estatuto da Terra! Mas, havia um impedimento para sua implementação, a imposição da Constituição de 1946 que definia que a desapropriação por interesse social só poderia ser feita mediante prévia e justa indenização em ‘dinheiro’. Com boa vontade, teve a iniciativa de propor uma emenda constitucional, aprovada em seguida, que permitia o pagamento através de TDAs (Títulos da Dívida Agrária). Perfeito. Em 1969, Costa e Silva retirou outros impedimentos, a obrigatoriedade do ‘prévio pagamento‘ e o estabelecimento do critério para se fixar o ‘justo preço’. Tudo sinalizava para o compromisso do governo militar de levar avante a ‘reforma agrária’.
Esse era o clima, esperançoso; e, Dom Hélder apoia as recentes medidas do governo, não sem, entretanto, criticar a falta de liberdade vigente (AI-5), polidamente:
“De fato, a primeira condição para que o Povo acredite nas Reformas de base, se interesse por elas e lhes dê apoio é sairmos do clima de desconfiança em que nos achamos.
O governo sabe que lançou mão de poderes especialíssimos e naturalmente está convicto de ter agido para salvaguarda do bem comum. Sem discutir as intenções do governo, reconheçamos que, objetivamente, é grave que o Estado se coloque acima e fora da Lei (ao proclamar que seus atos não poderão ser julgados), suspenda praticamente todos os direitos humanos e se superponha ao Legislativo e ao Judiciário. (…)
O governo há de medir a gravidade suma de obrigar que, nos educandários, o diretor delate professores e os professores delatem alunos. Ainda bem que os pais ainda não foram obrigados a denunciar os próprios filhos e os filhos a denunciar os próprios pais. (…)”
Noutro momento, falava: “O perigo virá da corrupção? Mas corrupção existirá enquanto existir a fraqueza humana, é agravada pelo subdesenvolvimento e – tenhamos a coragem e a lealdade de reconhecer – não é monopólio de civis e de governados.”
Por essas e outras, o governo militar não gostava dele.
Voltando à reforma agrária. Ela foi arquivada.
Voltou a ser falada em 1985, quando, dentro dos compromissos da Aliança Democrática, Tancredo Neves, e José Sarney que o substituiu, decidiram desencadear uma reforma agrária com base naqueles dispositivos da Constituição e do Estatuto da Terra. Aí entrou o STF, que declarou inconstitucional o artigo que dispunha sobre o justo preço das indenizações. O assunto morreu aí.