“O que é este mundo? Alguma coisa bem louca e abominável” (Voltaire)

No diálogo Mênon, de Platão, há o questionamento se a virtude é coisa que se ensine, se pratica ou é dada aos homens por natureza.

Sócrates responde que não sabe o que é verdadeiramente a virtude e que, portanto, não saberia responder do que ela é feita. Para ele haveria uma impossibilidade de se obter uma resposta para esta questão; seria, como diziam, uma ‘aporia’.

O Mênon histórico, segundo Xenofonte, era um sujeito inescrupuloso, desleal, interesseiro e ambicioso. Platão o teria escolhido para personagem no diálogo sobre virtude por sarcasmo.

O corrosivo Voltaire escreveu um conto sobre Mênon no qual este decidiu se tornar ‘perfeitamente sábio‘: “Para ser muito sábio, e portanto muito feliz, basta viver sem paixões; e nada é mais fácil, como se sabe”, pensou.

Ignorou que o ser (ontologia), mesmo amparado pelo conhecimento (epistemologia) está inserido num mundo de fenômenos (fenomenologia). O plano não foi bem sucedido.

Voltaire achava que o destino do homem é regido por forças absolutamente materiais, desprovidas de qualquer sentido moral ou espiritual. Procurava destruir a noção de que o homem possui uma alma espiritual. Os homens se dariam uma alma por pura vaidade: “Se um pavão pudesse falar, ele se vangloriaria de ter uma alma e diria que sua alma está na sua cauda”.

No conto, a fórmula para a sabedoria perfeita apresenta três requisitos:

“… basta não ter paixões; e nada é mais fácil, como se sabe. Antes de tudo, jamais amarei mulher nenhuma: pois, ao ver uma beleza perfeita, direi comigo mesmo: ‘Essas faces se enrugarão um dia; esses belos olhos se debruarão de vermelho; esses rijos seios se tornarão flácidos e pendentes; essa linda cabeça perderá os cabelos’. É só olhá-la agora com os olhos com que a verei então, e essa cabeça não há de virar a minha.

Em segundo lugar, serei sóbrio. Por mais que seja tentado pela boa mesa, os vinhos deliciosos, a sedução da sociedade, bastará imaginar as consequências dos excessos, a cabeça pesada, o estômago arruinado, a perda da razão, da saúde e do tempo: apenas comerei por necessidade; minha saúde será sempre igual, minhas ideias sempre puras e luminosas. Tudo isso é tão fácil que não há nenhum mérito em consegui-lo.

Depois – dizia Mênon, – devo pensar um pouco na minha fortuna. Meus desejos são moderados; meus bens estão solidamente colocados em mãos do recebedor geral das finanças de Nínive; tenho com que viver independentemente; é esse o maior dos bens.”

Formulado o plano ele foi à janela e avistou uma jovem bonita. A partir daí, tudo desmorona.

Uma curiosidade: alguns dos personagens dos contos de Voltaire são, temporária ou definitivamente, privados de meia visão. Isso ocorre com Mênon, mas também com Zadig e Mesrour – todos caolhos. Trata-se da visão infeliz, imagem dos próprios limites do homem, cuja razão está subordinada à experiência dos sentidos .

Os curiosos podem ler o conto integral aqui: Breves Contos II – Voltaire.pdf

Sobre Zadig, um resumo: https://balaiocaotico.com/2021/07/15/zadig-e-as-curvas-do-destino/

Publicado por Dorgival Soares

Administrador de empresas, especializado em reestruturação e recuperação de negócios. Minha formação é centrada em finanças, mas atuo com foco nas pessoas.

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