
“O segredo do ser humano não é apenas viver, mas ter algo pelo que viver.” (Dostoiévski)
Em Eclesiastes (3:22) observa-se “que não há felicidade para o homem a não ser alegrar-se com suas obras”.
O trabalho dignifica, mas também pode escravizar. Aliás, Aristóteles já considerava “aqueles que nada tem de melhor para nos oferecer que o uso de seu corpo e dos seus membros são condenados pela natureza à escravidão.”
Não vejo o trabalho como um castigo divino, apesar da palavra latina (tripalium) que originou o nome significasse um instrumento de tortura. Ele pode, sim, dar um sentido às nossas vidas – além da sobrevivência -, quando nos torna úteis para o outros e para nós mesmos.
O discurso de que “o trabalho liberta”, usado até em campos de concentração, tem servido há muito tempo, naturalmente, para manipular o contingente de trabalhadores.
Na história recente, tínhamos a prevalência da visão de que o trabalho era apenas mais um custo ou despesa para as empresas. Na década de 1990, a regra era o enxugamento das estruturas (downsizing) e o uso da reengenharia, quando as empresas deveriam se voltar para os clientes e os empregados eram “gordura” a perder.
Depois, mudou-se a linguagem: os empregados deixaram de ser custos e se tornaram “ativos” da empresa. Da boca pra fora. O órgão que lida com os empregados foi denominado como Recursos Humanos (RH), um termo dúbio. Recurso tanto pode ser entendido como um “insumo” (custo) quanto “investimento” (Ativo).
Em ambas as leituras, trata-se de uma propriedade da empresa. Como custos/despesas, a necessidade da gestão era seu acompanhamento de perto para não inviabilizar economicamente os produtos (se custos) ou elevar o Ponto de Equilíbrio (se despesas). Como Ativos, a preocupação passou a ser como aumentar e medir o retorno da empresa sobre esse investimento.
Essa analogia de empregado como um Ativo, já havia sido aventada por Adam Smith, em 1776: “Quando qualquer máquina dispendiosa é montada, deve-se esperar que o trabalho a ser feito por ela antes de desgastar-se venha a amortizar o capital nela empregado com, no mínimo, os lucros habituais. Um homem, educado à custa de muito trabalho e tempo para qualquer um desses empregos que demandam destreza e habilidade, pode ser comparado a uma dessas máquinas dispendiosas.”
A linguagem é uma ferramenta essencial ao poder, com seu uso habilidoso para criar significados convincentes, motivar e reduzir tensões contextuais.
A ideia de que as pessoas são ativos estratégicos é só fabulação, na maioria dos casos. Pesquisas mostraram executivos que afirmavam que seus empregados eram a variável mais importante no sucesso da companhia, quando solicitados a classificar prioridades estratégicas do negócio, o investimento em pessoal aparecia depois da satisfação do cliente, do desempenho financeiro, da competitividade e da qualidade dos produtos ou serviços.
Claro que todos são fatores importantes, mas sou radical: a prioridade número 1 é o conjunto de trabalhadores. O resto é consequência, inclusive o lucro.
Os resultados de um negócio dependem de um time competente, automotivado, que se sinta – de verdade – protagonista e que seja recompensado (não apenas financeiramente), atuando num ambiente aberto, respeitoso e instigante.
Ampliação do mercado, inovação, manutenção de clientes, saúde financeira, uniformidade da qualidade, superação de expectativas do cliente, antecipação de tendências e outras características necessárias ao negócio decorrem da dedicação, lealdade, interesse e do desenvolvimento profissional dos empregados. Todos os empregados.
O empregado é um investidor de seu único capital, sua capacidade de trabalho. Cada um é sócio da empresa, independentemente de políticas de stock options. É necessário valorizar esse “parceiro” no empreendimento, dando-lhe voz e vez.
Dessa forma, pode-se usar com sinceridade a linguagem atual de “empoderamento”, “propósito”, “capitalismo consciente”, “ESG”, “empresa humanizada” etc.
Sempre que defendo essa visão ela é atacada como “utópica”, inalcançável. Ora, utopia é algo ou situação idealizada e desejada, embora inexistente. Nem sempre é fantasia.
Meu caríssimo Dorgival, como sempre muito instigante, inteligente e provocador. Continue!
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