Obsolescência do humano

Günther Anders (1902-1992) era filósofo, jornalista e ensaísta. Foi casado por oito anos com Hannah Arendt. Era primo de Walter Benjamin e seus pais foram os fundadores da psicologia do desenvolvimento infantil (Clara e William Stern). Foi aluno de Husserl e de Heidegger.

Procurou entender a perplexidade diante da possibilidade de aniquilamento da humanidade pela própria humanidade.

Falava da crescente “obsolescência do humano“, considerando-se sua diminuição do sentir e da representação de seus atos diante de uma capacidade de produção cada vez maior, o que distorce a ideia de responsabilidade. Estamos nos tornando pessoas passivas, com “existências instrumentalizadas”.

O texto a seguir foi escrito por ele em 1956, mas continua atual:

“Para sufocar antecipadamente qualquer revolta, não deve ser feito de forma violenta. Métodos arcaicos como os de Hitler estão claramente ultrapassados. Basta criar um condicionamento coletivo tão poderoso que a própria ideia de revolta já nem virá à mente dos homens. O ideal seria formatar os indivíduos desde o nascimento limitando suas habilidades biológicas inatas…

Em seguida, o condicionamento continuará reduzindo drasticamente o nível e a qualidade da educação, reduzindo-a para uma forma de inserção profissional. Um indivíduo inculto tem apenas um horizonte de pensamento limitado e quanto mais seu pensamento está limitado a preocupações materiais, medíocres, menos ele pode se revoltar. É necessário que o acesso ao conhecimento se torne cada vez mais difícil e elitista… que o fosso se cave entre o povo e a ciência, que a informação dirigida ao público em geral seja anestesiada de conteúdo subversivo.

Especialmente sem filosofia. Mais uma vez, há que usar persuasão e não violência direta: transmitir-se-á maciçamente, através da televisão, entretenimento imbecil, bajulando sempre o emocional, o instintivo. Vamos ocupar as mentes com o que é fútil e lúdico. É bom com conversa fiada e música incessante, evitar que a mente se interrogue, pense, reflita.

Vamos colocar a sexualidade na primeira fila dos interesses humanos. Como anestesia social, não há nada melhor. Geralmente, vamos banir a seriedade da existência, virar escárnio tudo o que tem um valor elevado, manter uma constante apologia à leveza; de modo que a euforia da publicidade, do consumo se tornem o padrão da felicidade humana e o modelo da liberdade.

Assim, o condicionamento produzirá tal integração, que o único medo (que será necessário manter) será o de ser excluído do sistema e, portanto, de não poder mais acessar as condições materiais necessárias para a felicidade. O homem em massa, assim produzido, deve ser tratado como o que é: um produto, um bezerro, e deve ser vigiado como deve ser um rebanho. Tudo o que permite adormecer sua lucidez, sua mente crítica é socialmente bom, o que arriscaria despertá-la deve ser combatido, ridicularizado, sufocado…

Qualquer doutrina que ponha em causa o sistema, deve ser designada como subversiva e terrorista e, em seguida, aqueles que a apoiam devem ser tratados como tal.”

Essa transformação se dá de forma “natural” e imperceptível, canalizada por objetos tecnológicos complexos. Isso demonstra, defendia Anders, que quanto mais cresce o “nosso” poder tecnológico, menores nos tornamos. Quanto mais incondicional e ilimitada for a capacidade das máquinas, mais condicionada será a nossa existência.

Anders gostaria que suas ideias fossem recebidas como diagnósticos de um tempo e não como prognósticos para o futuro.

Publicado por Dorgival Soares

Administrador de empresas, especializado em reestruturação e recuperação de negócios. Minha formação é centrada em finanças, mas atuo com foco nas pessoas.

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