“Ame a terra, o sol e os animais, despreze as riquezas, dê esmolas a todo aquele que pede, defenda os estúpidos e loucos…” (Whitman)

Raúl González Tuñón (1905-1974, foto) foi um poeta e escritor de Buenos Aires. Trabalhou como correspondente na Guerra Civil Espanhola. Em Madrid, iniciou amizades com Federico García Lorca, Miguel Hernández e Pablo Neruda.

MÚSICA DOS PORTOS (Tuñón)

Música dos portos sempre igual/ e diferente./ Bandeiras com cores iguais/ para todos os olhos/ iguais e diferentes./ Proa da esperança./ Seiva de nostalgia./ Apaixonada de todos os caminhos./ Mulher./ Entregadiça e sábia./ Tu te estendes ao longo dos cais/ ou entras no recôndito das almas./ Debruças teu cansaço nas tabernas/ ou te dependuras das janelas/ órfãs de pedaços de céus/ na desesperança.

Música dos portos sempre igual/ e diferente. Poliglota. Tuas velas/ içaram-se aos ventos/mais estranhos./ Pátio sonoro, evocador e bom/ para os homens que não conhecem pátios./ Tu não tens cabelos nem tens mãos./ És som, nada mais./ Entras devagar, convincente./ Avivas o fogo de um cachimbo/ e desanuvias uma fronte.

Música dos portos./ Muitas e uma./ Pirata que sequestras os espíritos/ e os leva de um cais a outro cais./ Invisível farol e guiador de ouvidos./ Rompes o ímpeto ou conténs a faca,/ ou transformas blasfêmia em padre-nosso./ Seja quando vens tormentosa e lúgubre/ ou quando perdes o teu tom sinistro.

Aspecto (Alfonsina Storni, 1892-1938)

Vivo dentro de quatro paredes matemáticas
Alinhadas ao metro. Cercam-me almas apáticas
que não sabem nem um pingo
dessa febre azulada que alimenta minha quimera.

Passo uma pele falsa que listo em cinza.
(Corvo que guarda uma flor-de-lis sob a asa,
meu bico feroz e sombrio me faz rir,
o que eu mesmo acredito ser uma farsa e um incômodo.)

Doce tortura (Alfonsina Storni)

Poeira de ouro em tuas mãos foi minha melancolia;
Em tuas mãos compridas esparramei minha vida;
Minhas doçuras às tuas mãos ficaram presas;
Agora sou uma ânfora de perfumes vazia.

Quanta doce tortura quietamente sofrida,
Quando, ferida a alma de tristeza sombria,
Ciente de enganos, eu passava os dias
Beijando as duas mãos que me sugavam a vida!

Haroldo Conti (1925-1976)

Professor rural, caminhoneiro, pescador, piloto de aviação civil, professor de latim, autor de romances, ator, diretor de teatro, professor de filosofia, roteirista de cinema. Foi declarado “agente subversivo” pelas Forças Armadas. Em maio de 1976, eles atacaram sua casa e o levaram para a prisão. Foi torturado. Ele nunca mais apareceu. Em sua mesa havia a frase:

“Hic meus locus pugnare est et hinc non me removebunt”(“Este é o meu local de combate e daqui não me moverão”)

Isto é o que você deve fazer (Walt Whitman)

Isto é o que você deve fazer; Ame a terra, o sol e os animais, despreze as riquezas, dê esmolas a todo aquele que pede, defenda os estúpidos e loucos,/ dedique sua renda e trabalho aos outros, odeie os tiranos, não discuta a respeito de Deus, tenha paciência e indulgência para com o povo,/ tire o chapéu para o nada conhecido ou desconhecido ou para qualquer homem ou número de homens, vá livremente com pessoas poderosas sem instrução e com os jovens e com as mães de família,/ leia estas folhas ao ar livre a cada estação de cada ano de sua vida, reexamine tudo o que lhe foi dito na escola, na igreja ou em qualquer livro, descarte tudo o que insulta sua própria alma,/ e sua própria carne será um grande poema e terá a mais rica fluência não apenas em suas palavras, mas nas linhas silenciosas de seus lábios e rosto e entre os cílios de seus olhos e em cada movimento e articulação de seu corpo.

Este poema foi publicado em 1855 e serviu como prefácio para o livro Leaves of Grass. Whitman, com espírito de compaixão e humanidade fala, aqui, sobre nossa necessidade duradoura de comunidade.

Lembrei dele ontem, após ter ido a um shopping center de alto padrão. Nunca vou, mas era um local central sugerido por um amigo.

Enquanto esperava, aconteceu uma abordagem policial cinematográfica: dois policiais em motos e uma viatura cercaram um transeunte; os policiais das motos largaram-nas caídas na avenida, deram uma rasteira no “suspeito”, viraram-no e o algemaram. O que ele havia feito? Nada; só era preto, estava descalço e ia para a calçada do shopping.

Quando o meu encontro terminou voltei para ver o desfecho. O rapaz – que não havia sido acusado de nada – ainda estava caído no chão e algemado. Depois de mais alguns minutos, os soldados, tristes, soltaram-no.

Enquanto caminhava dentro do shopping vi algumas vitrines de marcas de grife, com bolsas para ombro com preços variando entre R$ 34 e 70 mil.

Uma lição de desigualdade.

Publicado por Dorgival Soares

Administrador de empresas, especializado em reestruturação e recuperação de negócios. Minha formação é centrada em finanças, mas atuo com foco nas pessoas.

Um comentário em ““Ame a terra, o sol e os animais, despreze as riquezas, dê esmolas a todo aquele que pede, defenda os estúpidos e loucos…” (Whitman)

  1. Em meados do texto é tudo que eu pratico, e gostaria de expressar mas não tive essa coragem . Apenas parte desse maravilhoso texto vou me referir. Seria maravilhoso se todos vivessem assim. O mundo seria uma maravilha e é ordem de nosso Senhor Jesus Cristo. Que tenho eu a falar , se já pratico essas coisas independente da ordem do Criador. Que maravilha. Deveria ser escrito e pregado em cada casa para que todos pudessem cumprir esse ordenamento. Não quero me ater ao que não praticam essas virtudes mas alertá-los que Jesus Cristo por sua breve passagem na terra praticou tais virtudes. Parabéns ao autor do texto que fala exatamente sobre o mundo que vivemos onde o que mais se vê é o egoísmo, o egocentrismo e a falta de amor a natureza, aos animais ,os mais pobres e necessitados. Oportuno pois 19 de abril se comemora o dia dos povos originários ,guardiãs como nós deveriamos ser, das terras, dos animais e de nossa natureza (fauna e flora). Quando hoje você é medido não pela sua cultura, mas pela quantidade de terras , as vezes usurpada da União. Quantas cabeças de gado, de equinos e suínos entre outros. Obrigada ao autor por tocar na ferida que muitos não gostam, mas que esses seres só têm a nossa voz. Fecho com chave de ouro parte da expressão de Valt Whitman “Ame a terra, o sol e os animais, despreze as riquezas, dê esmolas a todo aquele que pede, defenda os estúpidos e loucos…” (Whitman). A expressão “defenda os estúpidos e loucos ” porque ESSES TAIS NÃO SABEM O FAZEM” são néscios. carecem de nossa compaixão.

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