“Tão inocente o caracol sai da casa!” (Bachmann)

O presente (Jim Harrison)

O custo do voo é o pouso./ Neste dia quente de inverno no sudoeste,/ aqui na beira da fronteira eu quero ir para a França/ de onde todos nós viemos/ onde o Ocidente nasceu perto/ da antiga caverna em Lascaux./ Em casa eu estou apenas sentado na borda deste buraco negro,/ um poço que desce ao centro da terra./ Com um grande telescópio apontado diretamente para baixo./ Eu vejo um ponto vermelho de fogo e ouço o uivo da besta./ Minhas costas estão supurando com doença,/ o coração balança para a esquerda e para a direita,/ o cérebro canta suas cantigas./ Em todos os lugares, filmes em branco esperam para serem vistos./ A cotovia mergulhou a centímetros das rochas/ antes de parar e subir novamente./ Os dedos dos pés de Deus estão enterrados profundamente na terra./ Ele está pronto para correr. Mas pra onde?

Latidos (Jim Harrison)

A lua surge./ A lua desce./ Isso é para te informar/ que eu não morri jovem./ A idade passou por mim/ mas eu a alcancei./ A primavera começou aqui e cada dia/ traz novas aves do México./ Ontem recebi uma ligação do mundo lá fora,/ mas eu disse não no trovão./Eu era um cachorro numa corrente curta/ e agora não há corrente.

Jim Harrison (1937-2016, foto). poeta e romancista, passou grande parte de sua vida em Michigan, em uma fazenda perto de onde nasceu, bem como em Montana e Arizona. Sua conexão com as paisagens rurais fica evidente em sua poesia imagética de verso livre, que frequentemente explora impulsos humanos e animais contra um mundo natural implacável.

Explica-me, Amor (Ingeborg Bachmann)

Teu chapéu esvoaça um pouco, saúda, balança ao vento,/ tua cabeça descoberta impressionou nuvens,/ teu coração ocupa-se em outro lugar,/ tua boca usurpa novas línguas,/ a grama no campo vai crescendo,/ violetas sopram e sugam o verão,/ cego com os flocos, levantas teu rosto,/ tu ris e choras e pereces em ti,/ o que mais te acontecerá?

Explica-me, Amor!

O pavão, solenemente assustado, exibe a cauda,/ a pomba ergue o peito,/ plena de arrulhos, o ar se estende,/ o pato grita, o campo todo toma/ do mel selvagem, e também no sossegado parque/ um pó dourado cercou cada canteiro.

O peixe avermelha-se, ultrapassa o cardume/ e precipita-se por grutas ao leito de corais./ O tímido escorpião dança a música de areia prateada./ O besouro percebe de longe o sublime aroma;/ se eu tivesse seu senso, também sentiria/ que asas brilham sob sua couraça,/ e tomaria o longo caminho até os pés de morangos!

Explica-me, Amor!

Água entende o verbo,/ a vaga pega a vaga pela mão,/ no vinhedo a uva cresce, salta e cai./ Tão inocente o caracol sai da casa!

Uma pedra sabe amolecer outra!

Explica-me, Amor, o que não sei explicar:/ deveria eu lidar com o breve assombroso tempo/ só em pensamento e nada/ conhecer do amor e nada fazer com amor?/ É preciso que se pense? Ele não faz falta?

Dizes: um outro espírito conta com ele …/ Não me expliques nada. Vejo a salamandra/ mover-se pelo fogo./ Nenhum assombro vai capturá-la, e nada lhe causa dor.

Ingeborg Bachmann (1926-1973, foto), austríaca, foi uma das vozes líricas mais poderosas da língua alemã do século passado. Ela viu as tropas alemãs marcharem por sua cidade quando tinha apenas onze anos. A vulgaridade da linguagem nazista e a desolação causada pela guerra marcaram sua poesia.

Publicado por Dorgival Soares

Administrador de empresas, especializado em reestruturação e recuperação de negócios. Minha formação é centrada em finanças, mas atuo com foco nas pessoas.

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