
“Sistemas de IA com inteligência competitiva humana podem representar riscos profundos para a sociedade e a humanidade, conforme demonstrado por extensa pesquisa e reconhecido pelos principais laboratórios de IA”, diz uma carta do Future of Life Institute, assinada por luminares, entre eles Steve Wozniak e Elon Musk.
“Conforme declarado nos amplamente endossados Princípios de IA de Asilomar, a IA avançada pode representar uma mudança profunda na história da vida na Terra e deve ser planejada e gerenciada com cuidados e recursos proporcionais . Infelizmente, esse nível de planejamento e gerenciamento não está acontecendo, embora os últimos meses tenham visto laboratórios de IA travados em uma corrida descontrolada para desenvolver e implantar mentes digitais cada vez mais poderosas que ninguém – nem mesmo seus criadores – pode entender, prever ou controlar de forma confiável.” (Trecho da Carta. A íntegra está aqui: https://futureoflife.org/open-letter/pause-giant-ai-experiments/).
O que é, afinal, inteligência?
Shane Legg e Marcus Hutter divulgaram em 2007 uma pesquisa sobre definições de inteligência. Resumiram 70 delas numa única declaração: “Inteligência mede a capacidade de um agente de atingir objetivos em uma ampla gama de ambientes”.
Nesta definição há duas características: a ênfase na habilidade específica da tarefa (“alcançar objetivos”) e, o aspecto de generalidade e adaptação (“em uma ampla gama de ambientes”). Assim, um agente inteligente é o que mostra alta habilidade em muitas tarefas diferentes.
Está implícito que as tarefas podem não ser necessariamente conhecidas com antecedência: para atingir verdadeiramente a generalidade, o agente teria que ser capaz de aprender a lidar com novas tarefas (aquisição de habilidades).
A promessa da IA, expressa explicitamente em seu início na década de 1950, é desenvolver máquinas que possuam inteligência comparável à dos humanos. É possível?
Vamos distinguir três conceitos: inteligência, mente e consciência.
Do ponto de vista biológico, inteligência é a capacidade de resolver a contento os problemas da luta pela vida.
A inteligência humana não se compara à de outros animais, ela é enorme e requer a assistência de desdobramentos relacionados à mente: sentimento e consciência.
Seguindo António Damásio, a inteligência demanda percepção, memória e raciocínio. O conteúdo da mente se baseia em ‘padrões mapeados espacialmente’ que representam objetos e ações, tanto no interior do nosso organismo como no mundo à nossa volta.
Damásio fala de dois tipos de inteligência, a encoberta e a explícita. A encoberta (oculta, disfarçada) resolve problemas de maneira simples e econômica; a explícita requer sentimento e consciência.
A inteligência oculta é a que resolve problemas baseada em processos químicos/ bioelétricos em organelas e membranas celulares. A explícita baseia-se em padrões neurais.
Nos processos explícitos os padrões imagéticos são construídos e armazenados pelo próprio organismo.
O ‘sentir’ (detectar estímulos sensoriais) é uma capacidade dos seres vivos, por menores que sejam. Isoladamente, entretanto, sentir não dota um organismo de mente ou consciência.
As máquinas já são capazes de detectar estímulos (IoT) – não vou falar ‘sentir’ -; seriam então seres ‘vivos’ (como as bactérias, por exemplo)? Por outro lado, nós quando somos anestesiados numa cirurgia (interrupção radical do sentir) deixamos de ser ‘vivos’?
A mente é um repositório de imagens que nós – seres complexos – conseguimos gerar e combinar num fluxo progressivo.
Máquinas chegarão a ter mentes (requisito para a consciência)? A inteligência sem mente precedeu em alguns bilhões de anos a inteligência baseada em mentes (a explícita).
A desenfreada corrida tecnológica da AI poderá antecipá-la para algumas décadas?
Resta, ainda o aspecto emocional, não estritamente o ‘sentir’.
“O processamento de informações que o cérebro humano executa está inextrincavelmente interligado ao fenômeno profundo e misterioso que chamamos de sentimentos. Todos sentimos ansiedade, medo e raiva. Sentimos fúria, desespero, vergonha, solidão. Sentimos alegria, orgulho, animação, contentamento, desejo e amor. (…)
Sabemos que a emoção é tão importante quanto a razão para orientar nossos pensamentos e decisões, apesar de operar de maneira diferente. Enquanto o pensamento racional nos permite extrair conclusões lógicas baseadas em nossos objetivos e em dados relevantes, a emoção opera num nível mais abstrato – influenciando a importância que atribuímos aos objetivos e o peso que conferimos aos dados.” (Leonard Mlodinow)
Bom, talvez as máquinas não desenvolvam emoções. Seria uma desvantagem?
Pensando bem … deixa pra lá.
Meu ilustre Dorgival, como sempre, um texto extremamente rico, profundo e provocador. Parabéns!!! Adalmir Sampaio Gomes
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