A mentalidade do crescimento

A febre das startups continuará com a mesma temperatura? A mentalidade de que tornar-se bilionário rapidamente, pegando carona em foguetes movidos a liquidez, para – em muitas das vezes – vender fantasias (“a dor do cliente”) sem retornos econômicos e sociais, não é apenas mais uma bolha, como a da virada do século?

Palavras como “disruptivo”, “exponencial”, “escalabilidade” e outras do jargão tecnofeudalista, difundidas e incensadas pela Singularity University (por exemplo) permanecerão como motivadoras das mentes brilhantes, ao invés do engajamento destes na criação de riquezas que possam ser percebidas pela população?

Ao invés de “curar a dor do cliente” (como a medicina típica, que vive das doenças), não seria melhor curar a causa da dor?

Claro que existem negócios que são disruptivos e têm crescimento exponencial. Quantos?

Sobre a expectativa de crescimento exponencial destas iniciativas, diria que é algo meio mágico. Uma coisa é imprimir uma aceleração às implantações e adotar práticas que aumentem a agilidade na tomada de decisões, outra é querer tornar-se unicórnio num ano. Isso não é factível para a grande maioria das empreitadas.

Muitas dessas empresas significam investimentos em retornos inexistentes, em que o valor de mercado das empresas é mais importante do que o impacto real que essas empresas possuem na economia.

Há muitas transformações tecnológicas em curso, isso é indiscutível. A AI e a computação quântica, além dos desenvolvimentos na genética, serão muito relevantes logo adiante.

Já temos recursos suficientes para alimentar e cuidar da saúde de toda a população mundial. Mas, ainda não nos decidimos por isto. Os avanços na tecnologia poderão trazer prosperidade, desde que a palavra “inclusão” seja praticada e “sucesso” deixar de ser um conceito individual e contemple a comunidade em geral.

Segundo Douglas Rushkoff, a existência de tecnologias abstratas com termos difíceis são arquitetadas para distanciar essas “inovações” da economia real. Isso garante a perpetuação de um domínio tecnológico e semântico de um território por um pequeno grupo. Quanto menos real for a aplicação de uma tecnologia, menor a possibilidade do seu domínio pelo povo.

É necessário que haja um salto de consciência; que criemos uma mentalidade regenerativa para substituir a vigente, meramente exploratória.

“Ter uma mentalidade regenerativa significa ver o mundo como um sistema vivo, construído em torno de relações e totalidades recíprocas e coevolutivas, onde humanos, outros seres vivos e ecossistemas dependem uns dos outros para a saúde”, explica Josie Warden.

O pensamento regenerativo requer uma mudança muito radical quando se trata de crescimento, deixando de pensar no crescimento quantitativo para pensar no crescimento qualitativo.

Na perspectiva dos sistemas vivos, como Daniel Wahl coloca, “o que precisamos é de uma compreensão mais matizada de como os sistemas vivos amadurecem: eles mudam de um estágio inicial (juvenil) que favorece o crescimento quantitativo para um estágio posterior (maduro) de crescimento (transformação) qualitativo”.

“Ele, cujo saber tudo transcende,/ fez os céus e lhes deu quem os conduz:/ se em toda parte cada parte esplende/ é que igualmente lhes reparte a luz;/ do mesmo modo pra pompa mundana/ designou uma ministra e deu-lhe jus/ de ir permutando a riqueza profana/ de um pra outro sangue, e de gente em gente,/ livre do alcance da cobiça humana./ Logo, uma gente impera, e languescente/ fica a outra então conforme o arbítrio dela,/ que é oculto como na relva a serpente. (Dante Alighieri, A Divina Comédia, Inferno)

Publicado por Dorgival Soares

Administrador de empresas, especializado em reestruturação e recuperação de negócios. Minha formação é centrada em finanças, mas atuo com foco nas pessoas.

Um comentário em “A mentalidade do crescimento

  1. Sim, precisamos de uma percepção regenerativa.
    Escaparmos das ilusões de mundos distópicos e falsas soluções, que acabam por desumanizar os indivíduos.
    Um retorno à ludicidade do ser humano real, no nosso mundo real.

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