
“O que eu narro é a história dos próximos dois séculos […] descrevo aquilo que vem: a ascensão do niilismo. Posso descrevê-lo porque aqui se passa algo necessário – os sinais disso estão por toda parte; faltam apenas os olhos para tais sinais. Aqui, não louvo, nem censuro, que ela venha; creio numa das maiores crises, num instante da mais profunda autorreflexão do homem” (Nietzsche)
Nietzsche acreditava que um verdadeiro filósofo não pode deixar de ser a encarnação da má consciência de seu tempo.
O niilismo, como visto por ele, é um fenômeno ambíguo: desestabiliza (pela perda de sentido, valor e vínculos); e, sem um norte (princípios de orientação), pode levar à anarquia e à exaustão (mental e social). Por outro lado, surge uma imperiosa necessidade de certezas, crenças e segurança em todas esferas da vida.
A política atual pode ser entendida, em parte, pelo cultivo do niilismo.
À nossa frente temos o nada (nihil)! Daí, tantos tentam resgatar a experiência do sagrado para que o drama da existência tenha algum amparo. As ciências nunca vão suprir certezas que façam esse papel; tudo nelas é provisório. As religiões prêt-à-porter também não resolvem.
O sagrado reaparece “para compensar e amortecer o torturante sentimento de vazio, para anestesiar a nostalgia do absoluto definitivamente perdido”, comenta Antonio Florentino Neto.
Essa questão do Nada não é nada fácil: “‘Existe’ o nada apenas porque existe o ‘não’, isto é, a negação? Ou não acontece o contrário? Existe a negação e o ‘não’ apenas porque ‘existe’ o nada?”, perguntava Martin Heidegger.
Kitarô Nishida (foto), representante do zen budismo da Escola de Kyoto, via o Nada absoluto como uma elaboração filosófica da noção budista de vacuidade e não-mente.
Para ele, a Nadidade, a vacuidade, é a imagem do Nada absoluto, um vazio que reflete, como puro espelho, todos e cada um dos entes existentes, puro justamente por não ter características próprias. Não é um ente, mas também não é o Ser in-diferenciado, o noúmeno, pressuposto ‘para além’ do fenômeno.
Nishida refere-se à distinção feita por Kant entre noúmeno (coisa em si) e fenômeno (aparição). Kant os distinguia para evidenciar que ao homem só é possível conhecer as coisas como aparecem à mente, jamais em si mesmas.
O niilismo caracteriza nosso presente, porém segundo Nietzsche ele já estava embutido no Ocidente desde o princípio, desde o monoteísmo judaico.
Isso nos conduz ao culto fetichista, narcísico e hedonista do profano e do consumo crescente em espiral infinita, aliado ao apego fanático às ruínas dos fundamentos ultrapassados, caducos, nas palavras de Oswaldo Giacoia Jr.