
A Igreja Ortodoxa Etíope Tewahedo é um desmembramento da Igreja Copta, uma igreja cristã ortodoxa oriental, com sede no Egito. Tewahedo, numa língua local significa “unidos como um”.
O povo “dorze” (foto) é um pequeno grupo étnico que habita o sul da Etiópia, embora alguns tenham migrado para a periferia de Addis Abeba, capital do país. Eles são fiéis da Igreja Tewahedo.
Eles têm uma forma de demonstrar sua fé, que não é muito diferente da de muitos de nós: desconfiando.
“Para esses etíopes, o leopardo é um animal cristão, que respeita os jejuns da Igreja Copta, uma observância que, na Etiópia, é o teste principal da religião. O dorze nem por isso se preocupa menos em proteger seu gado às quartas e sextas-feiras, dias de jejum, do que nos outros dias da semana. Ele considera verdade que os leopardos jejuam e comem todos os dias; os leopardos são perigosos todos os dias: ele sabe por experiência; eles são cristãos: a tradição lhe garante”. (Dan Sperber)
Eles sabem que os leopardos só “jejuam” se estiverem saciados ou não houver caça, mas repetem a tradição. O que é a verdade diante da imaginação? A imaginação pode nos trazer uma “verdade” que se coaduna com nossas crenças.
Um conjunto de crenças pode – através da fé – sedimentar uma religião; ou – via fanatismo – irradiar uma ideologia.
Houve um tempo (conforme Fustel de Coulanges) no qual “temia-se menos a morte que a privação da sepultura, pois desta última dependia o repouso e felicidade eterna.” Repouso e felicidade eterna eram valores em alta, à época. A vida era pouco gratificante e felicidade era assunto de outro mundo. A crença se fortalece nos valores que assumimos.
Segundo Paul Veyne, um historiador, “as verdades já são imaginações e a imaginação está no poder desde sempre; ela, e não a realidade ou a razão.”
Os mitos traziam muito da imaginação dos poetas. Porém, mesmo sem comprovação histórica, muitos gregos e romanos acreditavam neles e os inseriam nas suas vidas. Era o conhecer por ouvir dizer.
Se Teseu de fato combateu o Minotauro ou, se Minos continua a ser juiz nos Infernos (o que implica que os mortos continuam a levar debaixo da terra a vida que tinham quando eram vivos) não é o que importa, desde que faça sentido. Mito e razão não se opõem como o erro e a verdade. Afinal, o mito era tema de reflexões sérias, além de fruto de uma tradição cultural.
E atualmente? O mundo vem passando por um processo de “desencantamento”, pensam os cientistas.
Para Octávio Ianni, entretanto, o mundo continua – como sempre foi – um emaranhado de tradições, superstições, magias, religiões e mitos. E esse mutável conjunto de crenças se imiscui nas ciências, artes, filosofias e, nas formas de sociabilidade, nos modos de organizar o trabalho e a produção, nas relações, nos processos e nas estruturas de dominação política e apropriação econômica, nas formas de alienação e condições de emancipação.
O mundo moderno continua colecionando suas crenças e mitos, agora com muitos mais propagadores e pouco filtro.
Platão já dizia que o mundo das ideias precede o mundo real.
Antes de chegarmos ao mundo, já existe um meio ambiente repleto de formas, ideias, pensamentos, conceitos, crenças e, sim, “o mundo continua – como sempre foi – um emaranhado de tradições, superstições, magias, religiões e mitos. E esse mutável conjunto de crenças se imiscui nas ciências, artes, filosofias e, nas formas de sociabilidade, nos modos de organizar o trabalho e a produção, nas relações, nos processos e nas estruturas de dominação política e apropriação econômica, nas formas de alienação e condições de emancipação.
O mundo moderno continua colecionando suas crenças e mitos, agora com muitos mais propagadores e pouco filtro.”
Hoje, a indústria da informação já fornece “realidades” tão “líquidas”, que são hoje, não são amanhã. Escorrem entre os dedos das mãos. Ou na ponta deles, quando digitam num celular, tablet ou notebook, numa rede social digital. Um ambiente distópico e fantástico, apesar de real. O ser humano sempre lúdico, tem embarcado em fantasias, distopias, “fakes”, realidades artificiais, como ele (ser humano) não é. Ele é lúdico, mas paradoxalmente, tem passado ao outrem indefinido o seu senso do que é real, do que é verdadeiro, distorcendo o seu senso crítico e abrindo mão dele, sem perceber.
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