“Este é o presente, uma alegoria do desperdício”

Tristeza e isolamento. O lado sombrio da vida. Melancolia da infância, revelações da adolescência, desenganos da vida adulta, os traumas, o luto. O envelhecimento.

Dessas coisas trata a poesia de Louise Glück, 80 anos.

As migrações noturnas

Este é o momento em que voltamos a ver/ os frutos rubros da sorveira/ e no escuro céu/ as migrações noturnas das aves.

Me dói pensar/ que os mortos não vão vê-los -/ essas coisas das quais dependemos/ desaparecem.

De que modo então a alma encontra alívio?/ Digo para mim mesma: quem sabe ela já não reclame esses prazeres;/ quem sabe lhe baste o mero fato de não ser/ coisa tão difícil de imaginar.

Outubro (trechos)

A beleza/ essa que cura, que ensina -/ a morte não pode me ferir/ mais do que você me feriu,/ minha bem-amada vida.

Este é o presente, uma alegoria do desperdício.

Tanta coisa mudou. E no entanto você tem sorte:/ o ideal arde em você como uma febre./ Ou não como uma febre, como um segundo coração.

Esta é a luz do outono: acesa sobre nós./ Sem dúvida é um privilégio ir chegando ao fim/ e ainda acreditar em alguma coisa.

Aqui fui jovem. Viajando no/ metrô com meu livrinho/ como se quisesse defender-me/ deste mesmo mundo:/ “não estás só”, dizia o poema,/ no túnel escuro.

A terra, minha amiga, é amarga; acho/ que a luz do sol a desamparou./ Amarga ou exausta, difícil dizer./ Entre ela e o sol, algo se encerrou. Que a deixem em paz, agora, é o que ela quer;/ acho que precisamos desistir de buscar nela afirmação.

Perséfone, a andarilha (trechos)

Na primeira versão, Perséfone/ é tomada da mãe/ e a deusa da terra/ castiga a terra – isso está/ de acordo com o que sabemos sobre o comportamento humano,/ que os seres humanos obtêm profunda satisfação / em causar dano, especialmente/ dano inconsciente:/ podemos dar a isso o nome/ de criação negativa.

Não estamos autorizados a gostar/ de ninguém, sabia? Os personagens/ não são pessoas./ São aspectos de um dilema ou conflito.

Ela sabe que a terra/ é governada por mães, isso ao menos/ está claro. Também sabe/ que já não é o que conhecemos por/ garota. No que diz respeito/ a encarceramento, acredita/ que foi prisioneira desde que foi filha.

Ficamos à deriva entre terra e morte/ que parecem, afinal,/ estranhamente iguais. Os eruditos dizem/ que é inútil saber o que queremos/ quando as forças que tratam de controlar-nos/ poderiam matar-nos.

Dizem/ que há uma fissura na alma humana/ que não foi construída para pertencer/ inteiramente à vida.

Publicado por Dorgival Soares

Administrador de empresas, especializado em reestruturação e recuperação de negócios. Minha formação é centrada em finanças, mas atuo com foco nas pessoas.

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