Como “quebrar” uma empresa

Dirigir uma empresa é como pilotar um avião, um navio, ou conduzir um veículo – às vezes acima da velocidade recomendada.

É necessário que existam os instrumentos de controle requeridos e que estes sejam rotineiramente observados atentamente pelo condutor. Antes das partidas convém que se verifique um checklist, que se tenha um destino claro e que se defina um itinerário. Parece óbvio, mas essas recomendações nem sempre são seguidas por todos os pilotos/condutores e, principalmente, pelas empresas.

O que vemos, entretanto, é a condução de negócios por giropiloto, via giroscópios (piloto automático), mesmo que o trem esteja descarrilhando.

O dia-a-dia empresarial tende a virar rotina, entediante e descuidada. O hoje parece uma repetição do ontem; as práticas bem sucedidas são entronizadas e reverenciadas, até o naufrágio.

Este naufrágio nunca deveria ser visto como “surpresa”, é um longo processo de desatenção e gestão com visão curta e policialesca (controles, gerenciamento no cangote) – quando, estranhamente, as metas estão sendo batidas e todos estão contentes, porque o cotidiano torna-se fácil, reproduzível, treinável …

Esse “sucesso” é um dos principais indutores do fracasso.

Essa “normalidade” leva, a todo momento, à criação de superficialidades, redundâncias, homogeneidades, gorduras, entraves burocráticos, custos e despesas desnecessários, aumento de efetivo para atendimento a novos processos etc. – muito disso sem vínculo com o que seria o propósito da organização, só resultante da “ocupação” do tempo.

Liderar um negócio é uma atividade complexa, como a vida. Os padrões não são sempre reconhecíveis e, são mutantes. A empresa deve ser encarada como um sistema vivo, dinâmico – por mais habitual e simples que pareça. A impermanência – como dita pelos budistas – é o que há de permanente.

Uma poeta (normalmente quem sabe das coisas) ressalta que “Nós vemos o mundo uma única vez, na infância. O resto é memória.” (Louise Glück)

Trazendo pro tema: num determinado momento, o fundador do negócio tem um vislumbre (às vezes, muito simples) do que será sua empresa – serviços, produtos, logística, tecnologia … essas coisas – e, após seu início, começa-se a “normalização”, padronização de processos e atitudes, engessamento, hierarquização, burocratização … tudo preparando o funeral.

Não quero dizer que padronizações sejam inúteis; são necessárias, desde que se tenha a consciência de que serão mudadas, que são transitórias, que devem ser ajustadas e melhoradas (adequadas às novas situações) incessantemente ou, suprimidas.

Daí, não causa surpresa essas ondas de quebras de empresas (como estamos começando a ver), provocadas por gatilhos “inesperados”, exógenos (nível da taxa de juros, redução da atividade econômica, regulamentações, inovações tecnológicas ou concorrenciais …)

Nada é exógeno; as empresas estão inseridas numa realidade social, concorrencial e governamental – não são um mundo à parte.

Quando a situação torna-se crítica (na verdade, é sempre crônica) procura-se a responsabilidade na gestão financeira. Porém, esta, em geral, é sintomática. As causas abrangem todo o espaço empresarial – todas as áreas são interdependentes.

Se for necessário apontar “uma” causa para o fracasso de um negócio, diria que é “incompetência na gestão”, responsabilidade do principal executivo.

A principal falha do primeiro executivo é não “avivar” o time, não torná-lo atento às mudanças e não lhe dar autonomia para responder internamente aos novos desafios; não tratar as pessoas como adultas e capazes de se superarem, cooperativamente.

O que vemos, normalmente, é a desunião, a competição por nada, disputas ou desarmonias societárias, falta de alinhamento e de convocação à ação (à participação), vaidades, foco no imediato e em interesses pessoais, entre outros desvios.

O uso adequado de instrumentos de gestão também importa, mas vem em segundo plano. É comum que as empresas com problemas disponham dessas ferramentas – até demais – mas não sabem como calibrá-las ou não têm objetivos claros e aceitos.

Boas ferramentas de gestão são indispensáveis e, são teoricamente a parte mais fácil, porque técnica. Porém a escolha de quais técnicas usar pode fazer uma grande diferença.

Publicado por Dorgival Soares

Administrador de empresas, especializado em reestruturação e recuperação de negócios. Minha formação é centrada em finanças, mas atuo com foco nas pessoas.

Um comentário em “Como “quebrar” uma empresa

  1. Excelente texto. Quando mais estudo entendo que o motivo pela falha na condução dos negócios são mais humanos do que técnicos, passam quase sempre pelas emoções/dificuldades humanas do que técnicas. Ao menos essa foi a grande messagem que tive ao ler o texto. Parabéns!

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