O tempo é memória

A vida só pode ser compreendida olhando-se para trás, mas só pode ser vivida olhando-se para a frente. (Kierkegaard)

Há tempos tento entender o tempo, não o meteorológico – que já é complexo -, mas o cronológico. Ele existe mesmo? Por que temos necessidade de determinar o tempo, de definirmos marcos temporais?

Karl Popper lembrou muitas vezes que o tempo não pode ser uma ilusão porque, por exemplo, seria como negar Hiroshima.

O tempo passa ou é o movimento, conforme dito por Aristóteles (os ciclos e as transformações que ocorrem conosco, na natureza e na sociedade) que nos dá essa impressão?

Para Newton, o tempo seria um dado objetivo (mesmo não sendo perceptível); Kant considerava o espaço e o tempo como representando uma síntese a priori; Norbert Elias afirmava que ele não existe em si: seria antes de tudo um símbolo social, resultado de um longo processo de aprendizagem.

Quanto mais complexo fica o meio social mais o “controle” do tempo parece indispensável; suas medições tornam-se ferramentas de “controle” e avaliação de processos e de pessoas. É estranho saber que em sociedades menos avançadas haja pessoas incapazes de dizer com precisão qual é sua idade!

Com o aumento populacional e as camadas tecnológicas introduzidas em volumes assustadores, cria-se a sensação de que o tempo está cada vez mais “veloz”, ou seja, os acontecimentos se multiplicam e não somos capazes de acompanhá-los; surge a onipresente ansiedade e a síndrome de FOMO (“fear of missing out” – medo de ficar de fora) com suas consequências desestabilizantes.

A vida não é nada daquilo que esperávamos quando jovem, quando buscávamos o equilíbrio e vivíamos sob a ilusão de que tínhamos o controle das coisas. Mas, não podemos controlar nada de fato. E, equilíbrio é para aqueles que não sabem que é o desequilíbrio que move o mundo.

O período do sono, quando deveríamos nos desligar dessa cadeia de eventos (e perdermos a consciência do tempo), tende a ficar mais reduzido e menos acessível e, quando ocorre vira uma torrente de remorsos e preocupações.

O tempo, entendia Ilya Prigogine, com a instauração dos conceitos de termodinâmica (ciência da Complexidade), deixa de ser apenas um parâmetro do movimento, mas, também, “mede evoluções internas de um mundo em desequilíbrio”.

“Hoje vemos fenômenos irreversíveis na natureza e compreendemos o papel construtivo destes fenômenos irreversíveis. Vemos formarem-se estruturas, vemos como algumas regiões do espaço estão organizadas pela irreversibilidade.” (Prigogine)

Num livro recente de ficção científica (“Recursão”), Blake Crouch coloca que o tempo é uma ilusão construída pela memória humana; não existe passado, presente ou futuro; tudo está acontecendo agora. A vida seria uma longa despedida daqueles que amamos. Quando você tem a percepção de estar vivendo alguma coisa, essa coisa já é passado. Já é uma lembrança.

“Aquele que controla o passado controla o futuro. Aquele que controla o presente controla o passado.”  (George Orwell) 

A memória seria o filtro que se coloca entre nós e a realidade; perdê-la (como no caso de Alzheimer) significa perder a si mesmo. E, se passássemos a ter lembranças de vidas que nunca vivemos? Ou, talvez, a tenhamos vivido. Nestes casos, como ficaria a realidade e nossa identidade? Viveríamos numa espécie da Caverna de Platão (se é que já não vivemos nela)?

“É claro que a mente não conhece as coisas imediatamente, apenas por intermédio das ideias que faz delas.” (John Locke)

Publicado por Dorgival Soares

Administrador de empresas, especializado em reestruturação e recuperação de negócios. Minha formação é centrada em finanças, mas atuo com foco nas pessoas.

Um comentário em “O tempo é memória

  1. A vida só pode ser compreendida olhando-se para trás, mas só pode ser vivida olhando-se para a frente. (Kierkegaard). A vida é um sopro. Temos que olhar pra trás para perceber os erros e olhando sempre em frente para não cometer os mesmo erros novamente.

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