
Uma das inovações trazidas pelo Renascimento foi a “perspectiva“. Ela causou um rebuliço no meio artístico.
A perspectiva é uma técnica de representação do espaço tridimensional numa superfície plana, de modo que a imagem obtida se aproxime daquela que se apresenta à visão.
Os avanços na ótica e na geometria permitiram a projeção de objetos em profundidade pela convergência de linhas aparentemente paralelas em um único ponto de fuga.
Ela continua sendo muito utilizada em projetos de arquitetura, engenharia e desenho industrial.
Ela foi desenvolvida por Filippo Brunelleschi (1377-1446) e descrita pelo pintor, escultor e arquiteto Leon Battista Alberti (1404-1472).
Artistas, por muito tempo, tiveram uma preocupação com a “representação” da realidade. No século passado, Andy Warhol, da pintura pop, usava slides para projetar no quadro em branco a imagem que pintaria por cima com fidelidade.
David Hockney (85 anos), o pintor, resolveu se aprofundar na pesquisa das técnicas usadas por pintores ao longo do tempo. Em 2001 publicou “O Conhecimento Secreto – Redescobrindo as técnicas perdidas dos grandes mestres”.
Segundo ele, desde 1430, artistas já utilizavam técnicas com esse intuito a partir de primitivas lentes e espelhos: muitos famosos da arte ocidental teriam usados “truques” para desenvolver suas obras.
A tela acima, “Adoração do Cordeiro Místico”, de Van Eyck, de 1432, teria contado com essas técnicas de espelhos e lentes.
Isso gerou um grande debate no meio artístico, mas não tira o mérito dos grandes.
Por trás desses cuidados está a noção do que seja espaço.
O espaço é o meio homogêneo onde as coisas estão distribuídas segundo três dimensões. A física clássica admitia mudanças de propriedades dessas coisas sob efeitos da temperatura, mas a forma e o conteúdo do mundo não se mesclam.
Com as geometrias não-euclidianas, e a admissão de uma curvatura própria do espaço, o deslocamento das coisas podem sofrer algumas modificações e, os objetos não conseguiriam estar em identidade absoluta com eles mesmos.
Assim, forma e conteúdo estão como que baralhados e mesclados; torna-se impossível distinguir rigorosamente o espaço das coisas no espaço.
Como que antecipando essa ideia, a pintura moderna rompeu o ensinamento clássico que distinguia o desenho da cor, ou seja, desenha-se o esquema espacial do objeto e depois este é preenchido por cores.
Repetindo um trecho de uma palestra de Maurice Merleau-Ponty, em 1948:
“Cézanne, porém, dizia que ‘à medida que se pinta, desenha-se’. Para ele, nem no mundo percebido, nem no quadro que o exprime, o contorno e a forma do objeto são estritamente distintos da cessação ou da alteração das cores, da modulação colorida que deve conter tudo: forma, cor própria, aspecto do objeto, relação do objeto com os objetos vizinhos. Cézanne quer gerar o contorno e a forma dos objetos como a natureza os gera diante de nossos olhos: pelo arranjo das cores.”
Em 1913, o pintor e crítico de arte Roger Fry, afirmava que “a arte é deformação significativa”, ao apresentar pintores como Matisse, Cézanne, Picasso, Van Gogh e Gauguin como os maiores pintores da sua época aos conterrâneos ingleses, que mal conheciam os impressionistas, que inauguraram o modernismo.
Algo semelhante diria André Malraux, quatro décadas depois: “Arte é deformação coerente”.
Por que a arte moderna ainda não é perfeitamente digerível pelo grande público?
Segundo nosso Mário Pedrosa, “Van Gogh ficaria desesperado (a expressão é dele) se suas figuras fossem consideradas ‘boas’, pois ‘não as queria academicamente corretas’. Seu grande desejo era ‘aprender a fazer tais inexatidões, anomalias, remendos e alterações da realidade que daí saíssem mentiras, mas mais verdadeiras que a verdade literal.'”
Verdade. Sabemos qual é?
“O mundo verdadeiro não são essas luzes, essas cores, esse espetáculo sensorial que meus olhos me fornecem; o mundo são as ondas e os corpúsculos dos quais a ciência me fala e que ela encontra por trás dessas fantasias sensíveis.” (Merleau-Ponty)