
A tentativa de golpe de estado, perpetrada ontem, 8 de janeiro de 2023, por uma pequena parte – enlouquecida – da população, mostra a fragilidade do sistema democrático.
Pessoas abduzidas por uma ideologia fascista tentaram, a partir da ocupação e depredação das sedes dos poderes da República, uma sublevação nacional contra um governo legitimamente eleito.
Contaram com o apoio implícito de policiais militares e da dissensão nas Forças Armadas, em parte cooptada pelo governante anterior.
Não há crime maior do que traição. As Força Armadas são pagas, regiamente, para nada fazerem. Apenas estudar e planejar a proteção da nação contra potenciais agressões a nosso país – que só existem em teorias conspiratórias.
Essas pessoas são revestidas de autoridade e possuem armas e um contingente de pessoas sob suas ordens, repito, para a defesa da nação contra invasões e ameaças estrangeiras. Nunca para ameaçar a população que lhes paga.
Não podem, por terem esse poderio à mão, se deixarem manipular ou imaginar que cabe a eles conduzir o destino da nação. Eles podem, se eleitos para isso.
Na tentativa anterior, copiada pelos terroristas daqui, no Capitólio, as FFAA prontamente se manifestaram contrárias a qualquer violação das regras democráticas. Aqui, não.
Isso preocupa. Como podemos manter a confiança em quem deveria nos proteger se nele há uma ameaça de ruptura institucional? Como as Forças Armadas vão recuperar a disciplina interna, sem a qual não há coesão e obediência hierárquica?
Yascha Mounk adverte que o “toma lá dá cá” se tornou moeda de troca política e excluiu a população da tomada de decisões fundamentais. Criamos um sistema de direitos sem democracia. Nossos representantes políticos representam interesses próprios ou de poderosos.
Nesse vácuo de representação, surgem os salvadores (populistas, demagogos) – políticos que se denominam antissistema – prometendo restituir o poder ao povo e a remoção de “obstáculos” institucionais (como o STF, Congresso …), mesmo que isso signifique criar uma democracia sem direitos, ditadura.
De um sistema de “direitos sem democracia”, passamos a outro de “democracia sem direitos”. Só que a palavra “democracia”, nesta situação é pura retórica – trata-se de um autoritarismo.
A prática desse autoritarismo – por consequência de seu discurso antiestablishment – implica em perseguições a inimigos, qualquer voz dissonante.
Segundo Mounk, as causas da facilidade de arrebanhamento e “arrebatamento” pelo salvador são as promessas ilusórias do sistema neoliberal: a estagnação do padrão de vida, o medo da democracia multiétnica e a ascensão das mídias sociais.
Antropologicamente, sabemos que esses temores se fundam na insegurança disseminada, com base na educação falha (focada na empregabilidade e não na capacidade de existir e adaptar-se), na criação de desejos fúteis (consumismo) e na quebra dos liames da convivência, a partir do placebo virtual.
Vejam que não falei na religião, que volta a tornar-se um braço do sistema de poder. Mas, o incremento religioso não atende às carências espirituais. Continua o déficit de espiritualidade. Até a religião tende a ser sustentáculo do consumo.