
“(…) gostaria somente de entender como tantos homens suportam às vezes um tirano só, que não tem mais poder que o que lhe dão, que só pode prejudicá-los enquanto quiserem suportá-lo, e que só pode fazer-lhes mal se eles preferirem tolerá-lo a contradizê-lo.” (Étienne de La Boétie)
É surpreendente a teimosia de alguns “patriotas”, à porta de quartéis, implorando por uma tirania, um golpe de estado, para que algum abençoado lhes diga como se comportar. Mesmo que esse ungido seja um completo despreparado para a condução de uma nação.
Achava que Nelson Rodrigues exagerava, retoricamente, quando dizia que “os idiotas vão dominar o mundo; não pela capacidade, mas pela quantidade, pois são muitos”.
“Não contente em gerar a infelicidade alheia, o estúpido inoportuno ficará contente consigo mesmo. Inabalável. Imune à hesitação. Certo de estar no seu direito.
O imbecil feliz não se importa em perturbar os outros.
O estúpido considera suas crenças como verdades gravadas no mármore, embora todo o saber esteja alicerçado na areia.
A dúvida enlouquece, a certeza estupidifica, é preciso escolher um lado.
O estúpido sabe mais que todo mundo, inclusive o que se deve pensar, sentir, expressar e como se deve votar.” (Jean-François Marmion)
Já viram um desses “bêbados de patriotismo”, guardiões da verdade, da pureza e da família, lendo algo noutra fonte que não as “verdades” transmitidas diariamente nas suas redes de WhatsApp?
Eles odeiam pensar; aliás, não têm esse hábito. Por isso condenam Paulo Freire, que defendia uma educação crítica, que nos leve a questionar ao invés de simplesmente obedecer.
La Boétie se perguntava: “Como se enraizou essa obstinada vontade de servir?”
Ele entendia que o poder não se assenta no medo do opressor, mas no desejo do oprimido. O tirano é a expressão de uma sociedade extremamente desigual, na qual cada um procura tiranizar o outro (colega de trabalho, companheira, filhos, fracassados sociais etc.).
Esses “patriotas” são tiranos em potencial; tiranetes.
“Dá-se tudo ao soberano na esperança de se converter em soberano também: vontade de servir é o nome da vontade de dominar”. (Marilena Chaui)
O fundamento da dominação não é a força do governante, mas a desunião dos governados.
Sobre a ideologia do autoritarismo, Marilena Chaui argumenta que “a ideologia é um discurso cheio de espaços em branco; são as lacunas que permitem a ocultação das contradições sociais e a construção de uma identidade imaginária centrada no Estado.”
Repito o entendimento de Kant sobre esse estado de subjugação voluntária, já publicado aqui:
“Esclarecimento é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado.
A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo.
O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem.
Sapere aude! Tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema do esclarecimento.
A preguiça e a covardia são as causas pelas quais uma tão grande parte dos homens, depois que a natureza de há muito os libertou de uma condição estranha, continuem, no entanto, de bom grado menores durante toda a vida.” (Immanuel Kant)