“Por mais bela que seja cada coisa/ Tem um monstro em si suspenso”

Sophia de Mello Breyner Andresen nasceu no Porto, Portugal, em 1919 e viveu até 2004.

QUANDO (Sophia de Mello Breyner)

Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta

Continuará o jardim, o céu e o mar,

E como hoje igualmente hão-de bailar

As quatro estações à minha porta.

Outros em Abril passarão no pomar

Em que eu tantas vezes passei,

Haverá longos poentes sobre o mar

Outros amarão as coisas que eu amei.

Será o mesmo brilho a mesma festa,

Será o mesmo jardim à minha porta.

E os cabelos doirados da floresta,

Como se eu não estivesse morta.

Dai-me a casa vazia e simples onde a luz é preciosa. Dai-me a beleza intensa e nua do que é frugal. Quero comer devagar e gravemente como aquele que sabe o contorno carnudo e o peso grave das coisas.

Não quero possuir a terra mas ser um com ela. Não quero possuir nem dominar porque quero ser: esta é a necessidade.

Com veemência e fúria defendo a fidelidade ao estar terrestre. O mundo do ter perturba e paralisa e desvia em seus circuitos o estar, o viver, o ser. Dai-me a claridade daquilo que é exatamente o necessário. Dai-me a limpeza de que não haja lucro. Que a vida seja limpa de todo o luxo e de todo o lixo. Chegou o tempo da nova aliança com a vida.

“A poesia é das raras atividades humanas que, no tempo atual, tentam salvar uma certa espiritualidade. A poesia não é uma espécie de religião, mas não há poeta, crente ou descrente, que não escreva para a salvação da sua alma – quer a essa alma se chame amor, liberdade, dignidade ou beleza.”

Passagem

O êxtase do ar e a palavra do vento/ Povoaram de ti meu pensamento.

As fontes

Um dia quebrarei todas as pontes

Que ligam o meu ser, vivo e total,

À agitação do mundo do irreal,

E calma subirei até às fontes.

Irei até às fontes onde mora

A plenitude, o límpido esplendor

Que me foi prometido em cada hora,

E na face incompleta do amor.

Irei beber a luz e o amanhecer,

Irei beber a voz dessa promessa

Que às vezes como um voo me atravessa,

E nela cumprirei todo o meu ser.

Escuto

Escuto mas não sei/ Se o que oiço é silêncio/ Ou Deus

Escuto sem saber se estou ouvindo/ O ressoar das planícies do vazio/ Ou a consciência atenta/ Que nos confins do universo/ Me decifra e fita

Apenas sei que caminho como quem/ É olhado amado e conhecido / E por isso em cada gesto ponho/ Solenidade e risco

Publicado por Dorgival Soares

Administrador de empresas, especializado em reestruturação e recuperação de negócios. Minha formação é centrada em finanças, mas atuo com foco nas pessoas.

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