
O pequeno e rechonchudo Franz Schubert era a personificação da timidez. Morreu, aos 31 anos, sem reconhecimento público. Só os amigos o veneravam.
Um desses amigos, o cantor Johann Michael Vogl, acompanhando-o numa visita a Salzburg, quando procuravam a pessoa que Mozart se baseara como modelo do Papageno, o caçador de pássaros da ópera Flauta Mágica, precisou chamar sua atenção: “Schubert, você não precisa cair de joelhos diante de ninguém! É lamentável que não saiba reconhecer o próprio valor!”.
Schubert estava elogiando Beethoven, seu contemporâneo (que morreria um ano antes da morte de Schubert, mas com 57 anos).
Dizia Schubert: “Quando encontro Beethoven, não posso conter o arrepio que me percorre a espinha. Sim, ele é um Deus!
– E quando você trabalha e consegue produzir obras primas, não sente também essa comoção?, pergunta Vogl. – De fato a sinto, foi a resposta.
Vogl deu-lhe outra bronca quando foram visitar a “casa das três meninas”, onde moravam três formosas filhas de um vidraceiro, e Schubert não teve coragem de se aproximar de Arabella, de quem gostara.
“- Schubert, você precisa de um empresário para tudo. Por que não toma a iniciativa de seus atos? Se continuar a viver na penumbra, com medo de luz, como tem vivido, adeus fama e triunfo! É preciso enfrentar a luz da ribalta. É preciso, ao clarão de mil velas, impor-se ao público. É preciso gritar: ‘Aqui estou!’. Só então o público acreditará que, de fato, você existe. É preciso que se familiarize, todos os dias, com a ideia de que é alguém. Se Arabella acaso duvida de você, é porque nota que você mesmo é o primeiro a não acreditar no próprio mérito. A mulher gosta do homem ousado. Ouviu bem?”
De nada adiantou, claro. Schubert acabou por convencer-se de que só possuía um valor, a música, mas com a música ninguém se casa …
Embora Beethoven fosse muito diferente de Schubert – sua surdez o deixava deprimido e revoltado, e falsamente era tido como louco ou orgulhoso – foi, entretanto, mais solitário, muito mais infeliz no amor, e, apesar de tudo, era invejado e venerado por todos. Sabia se impor.
Quando Beethoven estava próximo à morte, Schubert criou coragem e foi – sempre com amigos – visitá-lo.
Ao ver o nome de Franz Schubert registrado entre os que queriam vê-lo, Beethoven autorizou: “Entre!”.
Schubert, pela primeira e última vez, caminhou como um velho conhecido em direção àquele homem, ao qual, durante décadas, estivera tão próximo e tão distante. Distante, por simples timidez.
Seu coração ficou transbordante quando Beethoven disse, laconicamente: “Em Schubert está a centelha divina”.
A timidez deve ser vencida pela centelha que carregamos.