Cidades sonhadas

“A cidade não é feita disso, mas das relações entre as medidas de seu espaço e os acontecimentos do passado. (…) Mas a cidade não conta o seu passado, ela o contém como as linhas da mão, escrito nos ângulos das ruas, nas grades das janelas, nos corrimãos das escadas, nas antenas dos para-raios, nos mastros das bandeiras, cada segmento riscado por arranhões, serradelas, entalhes, esfoladuras.”

Italo Calvino refere-se a Zaíra, uma das 55 cidades invisíveis, cujas descrições teriam sido relatadas por Marco Polo ao imperador mongol, Kublai Khan.

“Medo não tenho de minhas interiores e misteriosas cidades/ Escolho uma delas,/ aquela mais distante e mais presente dentro de mim/ Por ela deixo-me engolir/ Por ela, leve, deixo-me levar/ Logo vejo, bem no centro,/ (talvez próximo do meu relógio-coração),/ um mar de rostos ondulando,/ sem referências, em todas as direções/ Procuro um sinal (não vermelho), uma lembrança,/ algo que, de alguma forma, me ligue a um deles …/ Mas nada emerge desse mar e tempo já não há.” (Raimundo Gadelha)

“Laudômia, como todas as cidades, tem a seu lado uma outra cidade em que os habitantes possuem os mesmos nomes: é a Laudômia dos mortos, o cemitério. Mas a característica particular de Laudômia é a de ser, mais do que dupla, tripla; isto é, de compreender uma terceira Laudômia, que é a dos não nascidos. (…) Quanto mais a Laudômia dos vivos se povoa e se dilata, mais aumenta a quantidade de tumbas do lado de fora da muralha.” (Calvino)

“Ponte. Devida divisa de mundos, a porta do quarto …/ A porta do quarto da casa que ainda não existe/ mas, sei, há muito, vive dentro de mim/ Tomate, cebola, alho, azeite, sal, vinho tinto, açúcar, pimenta, noz-moscada, manjericão …/ Antes que eu ponha a mão no trinco,/ vem da cozinha e espalha-se por toda a casa/ o aroma do molho amorosamente preparado …/ Finalmente, toco o trinco da porta do quarto,/ do quarto da casa que ainda não existe/ É lá que mora a amada que ainda não tenho,/ mas que, também há muito, sei existir.” (Gadelha)

(Ilustração acima: A cidade de Isaura, de Italo Calvino, por Karina Puente)

Publicado por Dorgival Soares

Administrador de empresas, especializado em reestruturação e recuperação de negócios. Minha formação é centrada em finanças, mas atuo com foco nas pessoas.

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