
Quando caiu o muro de Berlim, e a História havia “acabado”, difundiu-se a ideia de que a democracia cada vez mais se fortaleceria e se alastraria. Esse processo ocorreria com a inevitável globalização e com a plena liberdade dos mercados.
Não aconteceu conforme anunciado. O capitalismo vive suas cólicas com certa regularidade, e recorre, quase sempre, ao típico remédio: austeridade. Por que? É eficaz?
Para Mark Blyth (no livro “Austerity: The History of a Dangerous Idea”), embora a austeridade não tenha “funcionado” no sentido de alcançar seus objetivos declarados ao longo da história (por exemplo, reduzir a dívida ou impulsionar o crescimento econômico), ela tem sido empregada por governos repetidas vezes. Blyth se refere a esse padrão de repetição compulsiva como uma forma de loucura.
O discurso de austeridade foi incisivamente aplicado no caso da Grécia, pós-crise de 2008. Yanis Varoufakis trata da imposição autoritária de austeridade pela União Europeia em alguns livros, especialmente “E os Fracos Sofrem o que Devem?” e “Adultos na Sala”.
Ele recomendava que se adotasse um pacto fiscal que aumentasse o nível de demanda, de investimento, de gastos governamentais e de emprego. Isso arrepia qualquer economista que reproduz a prática hegemônica vigente.
Ele pedia uma largueza de visão como ocorreu no Plano Marshall. Antevia que a repressão e o “remédio universal” da austeridade chocariam o ovo da serpente fascista, com o fortalecimento da nova direita populista, o autoritarismo e a instabilidade em todo o mundo ocidental.
O Plano Marshall não foi a primeira solução recomendada pelos vitoriosos da II Guerra; estava decidido que seria implementado o Plano Morgenthau, que reduziria a Alemanha a uma economia pastoril, com drástica desindustrialização.
Clara Mattei entende o “Efeito Austeridade” como o inevitável sofrimento público que ocorre quando Estados cortam benefícios públicos em nome da solvência econômica e da indústria privada.
Normalmente abrange cortes orçamentários (especialmente em gastos com bem-estar, como educação pública, saúde, habitação e seguro-desemprego), tributação regressiva, deflação, privatização, salários reprimidos e desregulamentação do emprego.
Esse conjunto de políticas consolida a riqueza existente e a primazia do setor privado, que tendem a ser consideradas chaves econômicas que guiarão as nações para dias melhores.
Mattei vê a austeridade como uma resposta a crises do capitalismo, não especificamente a crises econômicas, como desaceleração do crescimento ou aumento da inflação.
“O capitalismo está em crise quando sua relação central (a venda da produção com fins lucrativos) e seus dois pilares (propriedade privada dos meios de produção e relações salariais entre proprietários e trabalhadores) são contestados pelo público, em particular pelos trabalhadores. Como parte dessas expressões de infelicidade, as pessoas historicamente exigiram formas alternativas de organização social.
(…) a principal utilidade da austeridade ao longo do último século foi silenciar tais apelos e excluir alternativas ao capitalismo. A austeridade serve, principalmente, para reprimir protestos públicos e greves de trabalhadores – não, como costuma ser anunciado, para melhorar espontaneamente os indicadores econômicos de um país praticando maior disciplina econômica.” (Clara Mattei)
Seu livro (The Capital Order), lançado no mês passado, é muito interessante.
(Desenho acima, de Bernhard Gillam, 1883)