
A moral maquiavélica era pragmática, suportada pela observação atenta da realidade: ao bom e ao justo não cabe corrigir o mal, mas apenas defender-se dele.
A astúcia de alguns pode estar nos rodeando, tentando nos conduzir, como títeres, para fins e situações pensados por outros.
A vitória nem sempre cabe aos bons, mas geralmente aos mais espertos.
Nada como uma comédia para se abordar assuntos sérios – embora lustrados por convenções hipócritas -, mesmo que passem despercebidos, pensou Maquiavel ao escrever a peça “A Mandrágora”, em 1518, sete décadas antes das primeiras obras de Shakespeare.
Nesta peça há uma crítica aos costumes imorais dos eclesiásticos de seu tempo e, ao mesmo tempo é uma sátira impiedosa a certos tipos sociais.
E, como esperado, papas, cardeais, reis e príncipes riram despreocupadamente, o que prova a tese de Maquiavel de que o falso e o ridículo são intrincados e indefensáveis quando expostos.
Resumindo: Lucrécia, “a mulher mais bela do mundo”, é casada, recatada, virtuosíssima e, constantemente vigiada por seu marido, um velho e rico advogado, “o mais simplório e insosso dos homens”.
Para quebrar esse quadro ideal, surge um terceiro (Calímaco), que se apaixona por Lucrécia. A vida não é uma linha reta, imperturbável.
Calímaco arma um estratagema e conta com dois agentes, um amigo e um religioso, ambos sem escrúpulos.
O velho marido tinha um problema, não conseguia ter filhos. A solução apresentada por Calímaco seria Lucrécia tomar um chá de mandrágora, uma raiz. O inconveniente é que o primeiro homem a ter contato carnal com ela morreria. Então, se usaria um vagabundo qualquer que seria forçado a ter relações com Lucrécia.
O difícil foi convencer Lucrécia a quebrar o voto matrimonial.
O padre deu conta disso: “Há muitas coisas que de longe parecem terríveis, insuportáveis, estranhas; entretanto, quando a gente se aproxima delas, tornam-se humanas, suportáveis, familiares; por isso, diz o ditado que são piores os receios do que os males pelos quais a gente receia”. Pronto, o pecado foi afastado. A Igreja permitia.
Com certa repugnância, Lucrécia aceitou. “… não posso recusar aquilo que o céu quis que eu aceitasse”.
E, na virtude da obediência Lucrécia encontra a satisfação de um amor adúltero. A virtude, instrumento de poder da Igreja, é totalmente desmoralizada.
O vagabundo era, naturalmente, Calímaco.
Muito do que Maquiavel escrevera em difíceis tratados políticos fora condensado numa comédia.