
A Justiça sofre uma crise de confiança no país. A impunidade parece ser a regra.
Lentidão, possíveis favorecimentos, filigranas legais acessíveis a poderosos, mordomias aviltantes, exibicionismos, corporativismo, indultos escandalosos e outros vícios conduzem o Judiciário ao descrédito popular.
Perder a confiança na Justiça gera um sentimento de anomia (ausência de lei ou de regra), mina a democracia (que repousa na lei) e é um passo para a desordem institucional.
É da essência dos homens se inclinarem mais à crítica do que ao elogio, observava Maquiavel na sua introdução de “Comentários sobre a Primeira Década de Tito Lívio“.
Ou seja, uma imagem danificada requer mais trabalho para sua restauração plena (quando possível) do que para sua construção.
A punição como aplicação da lei é educativa, pelo temor que impõe às transgressões sociais.
Maquiavel ilustra esse argumento com o caso (lendário?) da morte dos filhos de Lúcio Júnio Bruto, considerado o fundador da República, no século VI a.C.
Bruto teria articulado a queda do último rei Tarquínio, o Soberbo, após o estupro e martírio da sua parente, a jovem Lucrécia, pelo filho do rei.
Houve depois uma conspiração visando a restauração do trono dos Tarquínio. Entre os conspiradores estavam dois de seus filhos, Tito e Tibério.
Bruto poderia dar-lhes o perdão, pois presidia o tribunal; entretanto, em respeito à lei, condenou-os à morte como traidores e assistiu às decapitações.
Maquiavel recomendava que de uma a outra punição severa não deveriam passar mais de dez anos, “porque, passado esse tempo, os homens começam a mudar os costumes e desrespeitar as leis e, se não nasce alguma coisa, pela qual se traga a punição à memória deles e renove-se em suas almas o medo, então aparecem tantos delinquentes que não se pode mais punir sem perigo.”
(Ilustração acima: tela “Bruto Sentencia seus Filhos à Morte“, de Heinrich Füger)