
A desigualdade pode ser atenuada, trazida para níveis aceitáveis? Políticas econômicas inclusivas podem fazer esse papel?
A cada ano sobe o número de bilionários no país. E os miseráveis se avolumam.
O Coeficiente de Gini do País foi de 89,2 em 2021, acima dos 84,5 em 2000 e um dos mais altos do mundo.
O desequilíbrio econômico é uma característica definidora do que chamamos civilização. Parece “natural”. Ele, entretanto, acompanha a evolução das formas de poder.
Somente eventos cataclísmicos – guerras em massa, revoluções transformadoras, colapso do Estado e pestes – conseguiram de fato destruir e redistribuir as fortunas das elites, constata Walter Scheidel.
“Da Idade da Pedra aos dias de hoje, violência e catástrofes em larga escala parecem ser as únicas forças capazes de realmente reduzir a desigualdade econômica. Em épocas de paz e estabilidade, os donos da riqueza e do poder só ficam mais ricos e mais poderosos. ” (Scheidel)
Em 2010, as 388 pessoas mais ricas do mundo tinham patrimônio equivalente à possuída pela metade da população mundial. Em 2014, bastavam a riqueza de 85. Em 2015, os 62 mais afortunados já eram suficientes.
Em termos globais, a participação do 1% mais rico aumentou pelo segundo ano consecutivo para atingir 45,6% da riqueza total em 2021, acima dos 43,9% em 2019.
No Brasil, a concentração é maior: a parcela de riqueza do 1% mais rico agora é de 49,3%, contra 44,2% em 2000.
Dois anos atrás, Joseph Stiglitz, no livro “Povo, Poder e Lucro”, alertava para os perigos do “fundamentalismo de livre mercado”, que a economia tende a favorecer os grandes empreendimentos e a concentrar setores econômicos inteiros nas mãos de algumas poucas empresas, contribuindo para a disparada da desigualdade e para o lento crescimento econômico.
A crença quase religiosa no poder dos mercados não tem base na teoria ou em evidências, afirma. É só mais uma ideologia.
Há uma confusão entre criar e extrair riqueza. Extrair é qualquer processo pelo qual um indivíduo toma riqueza dos outros através de qualquer forma de exploração.
Criar riqueza depende da criatividade e da produtividade de seus habitantes e em suas interações produtivas uns com os outros. É necessária uma economia mais dinâmica e com prosperidade partilhada.
Fomos informados pela ideologia de livre mercado que a intervenção do governo no mercado é sempre concebida para limitar o escopo da criação de riqueza, por razões igualitárias equivocadas. Devemos confiar cegamente no mercado e sair do caminho.
Será que governos não podem promover, em vez de refrear, o dinamismo econômico, com menor concentração de renda e riqueza? Esse assunto é logo rebaixado a “nostálgicos sentimentos desenvolvimentistas”.
Será que não cabe uma revisão das práticas tributárias para que se reduza a redistribuição ascendente da renda? Por que será que o excedente de desempregados e a decorrente estagnação salarial combinada com a elevação da renda dos altos executivos e dos banqueiros é vista como normal?
Assim, temos que liberar o “mercado”, que sabe das coisas. O governo, quando não estiver plenamente de acordo com a vontade do mercado, deve ser ridicularizado e hostilizado.
O “mercado”, singelamente admite que isso pode criar alguns problemas “temporários”, como o aumento da desigualdade, mas depois todos seriam beneficiados pela criação de uma sociedade mais dinâmica e mais rica.
Acho isto tudo muito bonito. Mas, porque os que não têm devem esperar que os ricos acumulem mais, exponencialmente, e “aguardar” que a riqueza transborde?
É a extrapolação da lógica de que “se o comunismo nivela todos por baixo”, o liberalismo – sua antítese – trará uma maré ascendente que levantará todos os barcos.
Essa conversa foi enfatizada a partir dos anos 1980. O resultado tem sido crescimento mais lento, aumento da desigualdade e uma maior instabilidade na maioria dos países.
Nalgumas nações ricas esses problemas foram disfarçados por uma grande expansão do crédito. O consumo é o novo ópio.