
Não há “controle” sobre a vida. Nossa vida é permeável e sujeita a intervenções externas fora de qualquer controle. Isso não é desesperador, como alguns acham; sempre foi assim, embora ultimamente esteja se insinuando como parte da realidade.
Cerca de 19 milhões de pessoas sofrem de ansiedade no Brasil, segundo dados da OMS, o que nos coloca como o país mais “ansioso” do mundo. Muitos mais serão afetados por ela ao longo da vida, incluindo crianças e adolescentes.
Não se trata da ansiedade “natural”, aquela focada numa determinada expectativa ou decisão – normalmente, às vésperas de um acontecimento -, mas de uma sensação difusa de medo infundado, que trava a pessoa e a impossibilita de gozar uma vida normal. Há uma tensão constante e a antecipação de cenários de riscos, muitas vezes irreais.
Estoicos, como Sêneca, já refletiam sobre essa ansiedade vaga:
“Existe o destino, a fatalidade e o azar; o imprevisível e, por outro lado, o que já está determinado. Então, como há azar e como há destino, filosofemos.”
Sêneca viveu a instabilidade de governos estranhos, principalmente os de Calígula e Nero. Não era fácil.
Hoje, temos as “inseguranças” e a sensação de vulnerabilidade fomentadas pelos seguintes principais fatores:
- modelo econômico (que estimula a competição e o “mérito”, ao invés da cooperação e criação de oportunidades),
- atordoante aceleração tecnológica (com potenciais riscos à empregabilidade como a conhecemos pela falta de uma concomitante e equivalente preparação técnica),
- antiquada preparação escolar (ainda “formando” mão de obra que pode não ser absorvida, ao invés de preparar para as incertezas da vida),
- florescimento de correntes políticas autoritárias etc.
Humberto Mariotti, num de seus livros, cita Kierkegaard e sua identificação dos “homens imediatos”, aqueles mergulhados na “vida normal”, regrada, que detestam e tentam negar os riscos.
“Os ‘homens imediatos’ não gostam de surpresas, e por isso alimentam a ilusão de que é possível viver apenas em meio a afazeres previsíveis e repetitivos.”
Negar o imprevisível, as novidades, os sustos, os riscos, as forças emergentes, a complexidade da vida social, mostram um despreparo (e uma rejeição) para a vida como ela é.
Vejam a onda crescente de “burnout” que atinge os millennials (ou geração Y, os nascidos entre 1981 e 1996).
Entenda o burnout como uma sensação de exaustão e embotamento que, mesmo depois de dormir e tirar férias, não vai embora de verdade.
Lembram da “neurastenia” (ou exaustão nervosa), diagnóstico criado em 1869 por G. M. Beard, que afligia pacientes destruídos pelo “ritmo e esforço da vida industrial moderna”? Modernizou-se.
Esses millennials desconfiam das instituições (que teriam falhado), têm expectativas irrealistas do mundo corporativo moderno, são afetados duramente pelo aumento na ansiedade e da desesperança; tudo exacerbado pela pressão constante de “performar” na vida real e, também, na on-line. Essa é a leitura de Anne Helen Petersen.
Parece haver um “cansaço melancólico do mundo”, ou uma perplexidade frente à mudança constante, diz Josh Cohen.
“Você sente o burnout quando exauriu todos os seus recursos internos, mas não consegue se libertar da compulsão nervosa de seguir em frente apesar disso.” (Cohen)
Embora use uma linguagem simbólica, a poesia de Cruz e Souza pode ajudar:
Livre (Cruz e Souza)
Livre! Ser livre da matéria escrava,
arrancar os grilhões que nos flagelam
e livre penetrar nos Dons que selam
a alma e lhe emprestam toda a etérea lava.Livre da humana, da terrestre bava
dos corações daninhos que regelam,
quando os nossos sentidos se rebelam
contra a Infâmia bifronte que deprava.Livre! bem livre para andar mais puro,
mais junto à Natureza e mais seguro
do seu Amor, de todas as justiças.Livre! para sentir a Natureza,
para gozar, na universal Grandeza,
Fecundas e arcangélicas preguiças.