O ódio que nos alimenta

Não se odeia quando se está em dúvida. O ódio requer “certezas” absolutas. Em dúvida somos condescendentes, tolerantes.

As certezas reduzem nossa humanidade pois criam uma sensação de proximidade com o “absoluto”. Entretanto, somos reles seres perdidos no tempo (desconhecemos nossas origens pré-natais e o futuro é incógnito) e muitas vezes no espaço, quando não nos reconhecemos num contexto.

As certezas são os combustíveis das religiões e dos sistemas autoritários. Por isso estes são tão mortais.

“E, o que acontece quando algo é desconhecido? A gente o demoniza”, diz Courtnay Guimarães.

“O odiado torna-se impreciso. O que é bem definido não pode ser bem odiado.

Com a precisão viriam a delicadeza, o olhar atento ou a escuta minuciosa. Com a precisão viria aquela diferenciação capaz de discernir a pessoa singular, com todas as suas qualidades e inclinações múltiplas e contraditórias, como ser humano.

Entretanto, uma vez que os contornos são esmaecidos, uma vez que indivíduos como indivíduos se tornam irreconhecíveis, apenas coletivos vagos permanecem como destinatários do ódio, sendo difamados e desvalorizados, xingados e enxotados à vontade: ‘os’ judeus, ‘as’ mulheres, ‘os’ incrédulos, ‘os‘ negros, ‘as’ lésbicas, ‘os’ refugiados, ‘os’ muçulmanos ou ainda, ‘os’ Estados Unidos, ‘os’ políticos, ‘o’ Ocidente, ‘os’ policiais, ‘a’ mídia, ‘os’ intelectuais.

O ódio se conforma ao seu objeto de ódio.” (Carolin Emcke)

O ambiente propício para o alastramento do ódio é aquele no qual impõe-se um pensamento que só permite duvidar das opiniões dos outros, nunca das próprias.

Com a penetração e acessibilidade das redes sociais, criou-se um ambiente que permite a divulgação de “verdades” que dão sustentação ideológica (ou religiosa) a segmentos que carecem de significado para a sua existência. Uma usina de intolerância.

Pensamentos autoritários são propagados a uma velocidade impressionante. E eles se utilizam da liberdade que a democracia defende. A democracia virou um pasto para a disseminação do vírus que fabrica consenso sobre o ódio a “inimigos”, os que pensam diferentemente.

A democracia exige que se defenda o pluralismo, mas que seja intolerante com os que pregam o ódio. Que sua tolerância não se transforme em frouxidão legal.

Em Juízes, 12, 5-6, vê-se um caso de nacionalismo que “justificava” o ódio ao diverso:

“Depois os homens de Galaad tomaram a Efraim os vaus do Jordão, de maneira que, quando um fugitivo Efraim dizia: ‘Deixa-me passar’, os galaaditas lhe pergutavam : ‘És efraimita?’ Se dizia: ‘Não’, lhe respondiam: ‘Então dize Chibolet’. Ele dizia ‘Sibolet’, porque não conseguia pronunciar de outro modo. Então o agarravam e o matavam nos vaus do Jordão. Caíram naquele tempo quarenta e dois mil homens de Efraim.”

A angústia existencial que assola a sociedade é resultado do ódio (do mal) que a permeia, além de um ambiente econômico-social que privilegia o individualismo e sua agregação em núcleos ideológicos.

O respeito pela pessoa está condicionado à sua identidade. A mobilização em torno de ideias comuns tornou-se uma razão para o vazio criado pelo abandono do outro.

A indiferença é o menor grau dessa atitude. Depois virá a aniquilação.

Precisamos retornar a Emmanuel Mounier que difundiu o “personalismo“: “uma ação é boa na medida em que respeita a pessoa humana e contribui para sua realização; caso contrário, a ação é má”.

Urge a defesa de um “centro” político que leve os fanatismos às margens estatísticas que sempre ocuparam.

Publicado por Dorgival Soares

Administrador de empresas, especializado em reestruturação e recuperação de negócios. Minha formação é centrada em finanças, mas atuo com foco nas pessoas.

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