Euforia e colapso

A acumulação de dívidas em excesso é nociva. Quer no plano das famílias, empresas , bancos ou governos. Isso é intuitivo, até. Há limites. O problema é: quais?

Tudo, entretanto, depende do uso que se faz dessas dívidas. Se elas, bem aplicadas, geram caixa suficiente para manter o fluxo de compromissos (juros) assumidos, tudo bem.

Não citei a liquidação das dívidas como um “compromisso”. Dívidas, em negócios e governos, não são necessariamente para serem “pagas”, só honradas. Ninguém quer que uma dívida seja liquidada (pode ser renovada) – sequer o credor -, a preocupação imediata não é com a liquidez do principal, mas com a não interrupção dos fluxos de pagamentos da remuneração do credor.

Um dos problemas decorrentes do endividamento excessivo é que os investimentos “marginais” de novas dívidas dificilmente têm retorno atrativo; tendem a ser mal aplicados; às vezes passam a sugar caixa.

Por vezes, muita dívida leva a crescimentos ilusórios – inchaços – que se tornam bolhas. E bolhas, puff!

Sempre tive maiores preocupações com empresas que iam “muito bem” (crescendo vertiginosamente), porque, quase sempre, essa euforia leva ao colapso.

Sobre os governos, Kenneth Rogoff e Carmen Reinhart escreveram em 2009, alertando sobre os surtos de prosperidade movidos a dívidas, que tendem a uma falsa validação das políticas públicas.

Dívidas (crédito), entretanto, são cruciais para o desenvolvimento (crescimento) da economia. A questão é saber equilibrar riscos e oportunidades.

Brasil. Não estamos falando de dívida externa. Felizmente há reservas cambiais e temos tido superávits comerciais, apesar do crescente volume de importações de manufaturados (parece haver um projeto de desindustrialização) – salvos, ainda, por produtos primários.

A questão atual é sobre a dívida interna. Pra começar, a falta de transparência é habitual nas dívidas públicas (exemplo: garantias implícitas oferecidas a tomadores de dívida).

Já começa a ser aceito que a demanda agregada (e a inflação) não responde à emissão de moeda. O monetarismo morreu. Isso foi provado com as taxas básicas de juros próximas de zero e a altíssima liquidez do Quantitative Easing.

Logo, a preocupação com o poder aquisitivo dos governos alastrou-se para a expansão do passivo total do Estado, monetário e não monetário (dívida).

A nova Teoria Fiscal do Nível de Preços substituiu a moeda pela totalidade do passivo estatal como âncora dos preços.

Recomendou-se, então, um limite superior para a relação dívida/PIB. A partir desse teto a economia se desorganizaria.

Rogoff e Reinhart indicaram que esse limite não poderia ser acima de 90%. A Comunidade Europeia havia instituído 60% entre seus países membros.

Porém, com a pandemia recente, muitos países superaram os 90% e, nada.

Bom, quais os limites?

Ele deve ser político, sem abusos mas sem impedir o seu bom uso.

Infelizmente, o Estado tem se tornado cada vez mais burocrático e ineficiente. Não adianta tentar a volta do investimento governamental sem se arrumar a casa. Há gastos perdulários ou desnecessários. A gestão pública precisa deixar de ser um anátema.

O otimismo e a cordialidade, que pareciam típicos do brasileiro estão sendo substituídos por rancor e desesperança. O desmantelamento do Estado gera um vácuo de comprometimento comunitário. Mais um fator para antagonismos políticos irreconciliáveis. Um desfazimento da nação.

O Estado não é necessariamente um mal. Depende da sua gestão.

“Nós (do FMI) não acreditamos que os mercados são sempre perfeitos; mas acreditamos sim que há muitas instâncias de falha de governo e que, em geral, as falhas de governo são maiores do que as falhas de mercado nos países em desenvolvimento.” (Rogoff, junho 2002)

Mercado e governo: desconfio dos dois. Normalmente são cúmplices. Somos a vítima.

Publicado por Dorgival Soares

Administrador de empresas, especializado em reestruturação e recuperação de negócios. Minha formação é centrada em finanças, mas atuo com foco nas pessoas.

Um comentário em “Euforia e colapso

  1. Não há muito que comentar sobre esse assunto. O texto bem escrito. Basta fazer uma analogia do menor para o maior. Admistrar uma nação pode parecer tão simples como administrar uma família. O endividamento de uma família é bem vinda quando se trata de bens duráveis e que tenha benefícios a todos familiares. Nesse caso, todos da família vão fazer algumas renúncias em detrimento desse bem maior e comum a todos da família. Evidente que essa familia necessita de um gestor e os contribuintes, o gestor é o responsável pelo não endividamento da família com gastos supérfluos e extravagantes , que no futuro venha colocar as finanças da família em risco. É salutar o endividamento com construções e reformas do lar, bens que tornam a vida dos familiares mais felizes e com uma qualidade de vida melhor para todos, é salutar que com o tempo esse déficit seja sanado. Parece simplória minha análise. Mas é exatamente isso que um bom governo deve fazer para não exceder o teto de gastos. E todos os contribuintes tenha uma vida salutar. E se possível ainda uma reserva para casos excepcionais, ou ,algumas extravagâncias, para bem de todos. Em hipótese alguma o gestor deve exceder o teto de gastos,mesmo que venha a desagradar alguns. Enfim, os grandes gestores e bem sucedidos partem dessa premissa particular para a premissa maior. E digo, que isso não se trata do conceito de socialismo, mesmo porque vale ressaltar que todos os membros dessa grande família gozara de benefícios em comum, necessitando usar pouco de suas reservas particulares. Termino com essa parte do texto:
    “Nós (do FMI) não acreditamos que os mercados são sempre perfeitos; mas acreditamos sim que há muitas instâncias de falha de governo e que, em geral, as falhas de governo são maiores do que as falhas de mercado nos países em desenvolvimento.” (Rogoff, junho 2002).” Já recorremos ao FMI na década de 80 quando o Ex Ministro Delfim Neto pegou dinheiro emprestado a juros altos. O país parecia que tinha sanado o problema,mas nossa situação era “humilhante” no contexto internacional. E se vcs tem boa memória lembrará em qual Governo essa dívida foi paga. Não citarei aqui para não parecer partidária.

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