
Em 1959, Eugène Ionesco (1909-1994) publicou a peça O Rinoceronte, um marco do Teatro do Absurdo, uma antecipação da realidade que vivemos.
A peça trata de uma epidemia de “rinocerontismo” que ataca a cidade: de repente, as pessoas começam a virar rinocerontes. Bérenger, um personagem, se recusa a ceder à onda que acomete a todos que lhe estão próximos. A sensação que estes têm é que é mais fácil virar rinoceronte do que confrontar o movimento “rinocerontista”.
Alguma frases do texto:
- “O homem superior é aquele que cumpre seu dever!/ Que dever?/ Seu dever… Seu dever de empregado, por exemplo”.
- “Não me habituo com a vida”.
- “Não se deve levar muito a sério os originais. A média é que conta. Infeliz daquele que quer conservar a sua originalidade!”
- “Os bons sujeitos dão bons rinocerontes. E é porque eles são de boa-fé que, infelizmente, podem ser enganados!”
As pessoas comuns – pessoas do bem – são seduzidas a experimentarem o poder que as grandes bestas possuem, como se essa transformação as tornassem abençoadas.
A vida não está fácil, independentemente deste governo, que conduz fervorosamente o país ao abismo da perda de individualidade. O povo, acredita, deve se tornar uma massa infantilizada.
Vejo aqui, executivos (até CEOs) que defendem a reeleição desse governo. Imagino o assédio eleitoral que grassa por aí.
O neoliberalismo, a serpente que troca de pele a cada “crise”, se alia a situações nas quais reinam a instabilidade, a insegurança no dia-a-dia e o medo do futuro.
“As formas de gestão na empresa, o desemprego e a precariedade do trabalho, a dívida, são poderosas alavancas de concorrência interindividual e definem novos modos de subjetivação.
A polarização entre os que desistem e os que são bem-sucedidos mina a solidariedade e a cidadania.
Abstenção eleitoral, dessindicalização, racismo, discriminação, tudo parece conduzir à destruição das condições do coletivo e, por consequência, ao enfraquecimento da capacidade de agir contra o neoliberalismo.” (Pierre Dardot e Christian Laval)
O neoliberalismo defende uma ideia muito particular de democracia: o antidemocratismo, o poder da maioria, pela maioria, para o benefício de uma pequena elite.
O discurso é: o direito privado deve ser isentado de qualquer deliberação e qualquer controle, mesmo sob a forma do sufrágio universal. Não incomodem o capital!
As formas políticas de garantia desse status vêm sendo desenvolvidas, movidas pela insatisfação generalizada e difusa, na roupagem do líder personalista, autoritário e manipulador.
Caminhamos para anos sombrios, com rinocerontes à solta.
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