
Num filme de 1985, “A Coisa” (The Stuff), dirigido por Larry Cohen, uma equipe de mineradores encontra uma substância branca e gosmenta, parecida com um iogurte, com sabor agradável e atrativo.
A substância, apelidada de “Coisa”, faz com que todas pessoas que a comam sejam devoradas ou transformadas em zumbis. Típico terror B.
Antes, em 1982, John Carpenter havia filmado outro “A Coisa” (The Thing). Neste, uma paleontóloga encontra uma nave espacial dentro de uma pedra de gelo. Nela existe um alienígena que ganha a forma de suas vítimas. Essa entidade monstruosa e infinitamente plástica era capaz de metabolizar e absorver qualquer coisa com a qual entrasse em contato.
Essas “coisas” estão por aqui. Metaforicamente, a coisa gosmenta é a disseminação da ultradireita, com sua lavagem cerebral a partir de iscas atraentes para mentes cansadas de não pensar. A coisa que tudo transforma e incorpora é o neoliberalismo.
O progressista, ou a esquerda – como queiram, defende o novo, a mudança, o hálito da vida. Há uma relação recíproca entre o canônico (a tradição) e o novo. O novo se define dialeticamente como resposta ao canônico e, ao mesmo tempo, o canônico tem que se reconfigurar em resposta ao novo. A tradição não tem valor se não for contestada e modificada. Ela serve para isso, como uma base de lançamento do novo, da mudança.
A direita, ou conservadores – como queiram, defende a manutenção do tradicional, a imobilidade social e ojeriza o diferente e questionador. Há ainda, os reacionários, a ultradireita, saudosistas de um passado “utópico”.
Não é casual que os raros “artistas” que defendem o governo atual sejam basicamente os chamados “sertanejos”, que representam o tradicional envernizado.
Tendemos a crer que a maneira como vemos o mundo é natural, inevitável e imutável. Isso é o confortável – a não mudança. Mas, é o contrário: o “natural” é que tudo muda, queiramos ou não.
Cultura só existe com questionamentos e provocações, com “surpresas”. Ela não existe sem o novo. Embora, nem sempre podemos ver como nossas ideias estão mudando.
Cultura não é “museu”, no sentido estático, de preservação e mofo. Os museus existem para nos mostrar a evolução da cultura em todas as manifestações de arte. Nada é mais vivo que a cultura.
O neoliberalismo, como disse, descaracteriza o novo ao assimilá-lo e transformá-lo em objeto, consumível. Camaleônico, o capitalismo, por sua vez, adapta-se veloz e furiosamente.
Essa sensação de continuidade (pela absorção do novo) gera um ambiente instável (o novo aparece e some – é assimilado) cria uma insegurança – um mal estar – que é instrumentalizado pela ultradireita – o perigo do novo, da mudança, da subversão!
É mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo, disseram Slavoj Zizek e Fredric Jameson. Acredita-se que o capitalismo seja o único sistema político e econômico viável, sem alternativas. O fato é que ele é mutável, adaptativo, ao contrário de sistemas que são engessados, como o comunismo. Não há “fim da história”.
Isso não é uma defesa do capitalismo, na sua versão neoliberal. É uma observação. Ele é cruel. Seus valores básicos são a ganância e a acumulação.
Muito longe da ideia original de Adam Smith, na sua “Teoria dos Sentimentos Morais”, na qual a “simpatia” opera como senso moral e permite aos homens estabelecerem os valores vigentes na comunidade moral, a partir da “virtude da conveniência”. Os neoliberais só leram “A Riqueza da Nações”.
Esses neoliberais ainda seguem – com exceções – a “ideia”, dos anos 1970, de Milton Friedman de livre mercado e, de que “há somente uma responsabilidade social das empresas – usar seus recursos e se envolver em atividades destinadas a aumentar seus lucros para o benefício de seus acionistas”. Concentrar-se em algo que não fosse maximizar os lucros dos acionistas era um abandono do dever fiduciário, uma subversão total do capitalismo.
Bom, hoje existe o movimento do Capitalismo Consciente, Natural e o apelo à atuação das empresas não exclusivamente voltadas aos interesses dos acionistas, mas a todas as partes interessadas (stakeholders), abarcados no lema ESG.
“Nós não vemos as coisas como elas são. Vemos as coisas como nós somos”. (Anaïs Nin e outros).
E nós mudamos.