Medos e mentiras

(Theodor Ludwig Wiesengrund-Adorno, 1903-1969)

Recuperei uma entrevista de Delfim Netto, de 2007, na qual fala sobre Lula:

“Lula já rejeitava o marxismo em seu discurso de posse no Sindicato dos Metalúrgicos, em 1975. Ele disse literalmente que ‘parte da humanidade havia sido esmagada pelo Estado, escravizada pela ideologia marxista, tolhida nos seus mais comezinhos ideais de liberdade, limitada em sua capacidade de pensar e se manifestar”. (Delfim Netto)

Delfim ainda diz que “tendo ou não lido a obra de Marx, somos todos marxistas, exatamente como somos neoliberais, cartesianos, espinosianos, kantianos, keynesianos, freudianos ou einsteinianos. Ou seja, poucos leram esses autores, mas todos fomos influenciados de uma forma ou de outra por suas obras.”

Isto é, a ideia, mesmo vaga, vagueia.

Delfim, que saiba, não é comunista. Sua fala sobre Lula reforça o que já sabemos: Lula não é comunista, por mais que falem que ele admira países que não são democráticos. Seu oponente, por sua vez, baba autoritários de direita – vivos ou mortos.

O governante atual é protofascista.

Todos sabem disso, inclusive seus adeptos – principalmente os de classe média -, abduzidos pelo medo de perderem o que não têm.

Sim, o lema fascista de Poder, Lealdade e Medo é seguido à risca pelos ideólogos do governo.

O poder continua uma obsessão desde 1º de janeiro de 2019; a campanha política nunca cessou.

A lealdade é o signo do governo atual – ou se é amigo ou inimigo; quantos caíram em desgraça após duvidarem da seriedade de propósitos do governante! Alguns, sem vergonha na cara, voltam a lamber suas botas.

Medo é o principal argumento que mobiliza os que acreditam que sua cidadania depende de alguém forte que os defenda das “possíveis” agressões socialistas. Esses são, principalmente, os eleitores de classe média, a engrenagem que dissemina os valores e interesses das elites.

O medo é alimentado diariamente pela mentira. A consequência mais nefasta do uso disseminado da mentira não é que acreditem nela, mas é ninguém acreditar em mais nada, só no seu líder.

A mentira não é única; ela é customizada e propagada por capilaridade e por multidiscursos. O discurso, a mentira, é direcionada para públicos específicos; ela é o que aquele público quer ouvir. Há a mentira na linguagem em que evangélicos entendem; há a que atinge o “nacionalista”; a adequada para o reacionário de costumes; para a dona de casa que teme a violência das ruas etc.

Isso é antigo, porém hoje, via redes sociais com algum trato algorítmico, é surpreendentemente pervasivo.

O discurso é personalizado, embora o líder pareça não entender de nada, conforme observara Theodor Adorno, em 1950, no livro “Estudos sobre a Personalidade Autoritária”.

É necessário um pano de fundo de ignorância e confusão, daí o que é dito num dia pode ser desmentido no seguinte e tudo bem.

Adorno e Max Horkheimer, a partir de vasta pesquisa, perceberam o surgimento de uma espécie ‘antropológica’ a que chamaram de ‘tipo autoritário de homem’.

“Em contraste com o fanático do estilo antigo, o tipo autoritário parece combinar as ideias e habilidades típicas de uma sociedade altamente industrializada com crenças irracionais ou antirracionais.

Ele é ao mesmo tempo esclarecido e supersticioso, orgulhoso de ser um individualista e com medo constante de não ser como todos os outros, zeloso de sua independência e inclinado a se submeter cegamente ao poder e à autoridade”. (Horkheimer)

Outro aliado do medo é o uso político da fé.

Na Idade Média, o Clero era parte essencial da política; ele fundamentava o poder. A Revolução Francesa escanteou a Igreja. O Estado tornou-se laico.

Hoje, o tradicionalismo – raiz do conservadorismo – tenta resgatar a religião para o seio do governo, a partir do entendimento de que a fé cristã defende a família, as tradições, os costumes …

Não é difícil atrair esse público: eles acreditam num líder religioso que se proclama intermediário de Deus! Logo, estender essa crença àquele que promete defendê-lo do mal faz todo sentido.

Para sua instrumentalização, as religiões cristãs esquecem a Boa Nova do amor e enfatizam o medo, do pecado, da perdição, do inferno.

Há muito a se falar, mas paro por aqui para não ficar cansativo.

Publicado por Dorgival Soares

Administrador de empresas, especializado em reestruturação e recuperação de negócios. Minha formação é centrada em finanças, mas atuo com foco nas pessoas.

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

%d blogueiros gostam disto: