
O que seríamos sem os outros, mesmo para um egoísta?
Tanto nossa liberdade individual como nossa personalidade só se realizam (potencialmente) se vivermos em sociedade, completando-nos com todos os indivíduos que nos cercam e graças ao trabalho conjunto, à força coletiva da sociedade. Sem os outros seríamos mais estúpidos e miseráveis que qualquer outro animal feroz.
Essas são palavras de um anarquista, Mikhail Bakunin, um materialista de carteirinha.
Sua opção pelo materialismo baseava-se no seu entendimento de que os fatos têm primazia sobre as ideias. O ideal, dizia, “nada mais é do que uma flor, cujas condições materiais de existência constituem a raiz. É ela a humanidade que constitui, que cria o ideal, o mundo das convicções intelectuais e morais, as ideias”.
Como anarquista, pensava que o homem se constituiria pela ciência e pela desobediência, rejeitando a pressão de qualquer poder externo e acima de si mesmo: “rejeitamos toda legislação, toda autoridade e toda influência privilegiada, titulada, oficial e legal, mesmo emanada do sufrágio universal, convencidos de que ela só poderia existir em proveito de uma minoria dominante e exploradora contra os interesses da imensa maioria subjugada”, repetia.
Para ele, qualquer ideologia, mesmo a mais revolucionária, ao tornar-se oficial, infalivelmente se corrompe e se burocratiza, transforma-se numa mentira.
Isso foi constatado por Rosa Luxemburgo, Emma Goldman e Alexander Berkman, assim que o comunismo assumiu o poder na Rússia.
Ele estava errado? O diagnóstico e o prognóstico são corretos, na minha opinião, mas como conviver sem algum “ordenamento”? Cadê a “Ciência” Política, que não avançou além dos estereótipos de democracia?
Mas, considerava o homem um ser eminentemente social, como já citei.
“Enfim, o homem isolado não pode ter a consciência de sua liberdade. Ser livre, para o homem, significa ser reconhecido, considerado e tratado como tal por um outro homem, por todos os homens que o circundam.
A liberdade não é, pois, um fato de isolamento, mas de reflexão mútua, não de exclusão, mas de ligação; a liberdade de todo indivíduo é entendida apenas como reflexão sobre sua humanidade (…)” (Bakunin)
A sociedade seria, então, um imenso fato positivo e primitivo anterior a qualquer consciência, a qualquer ideia, apreciação intelectual ou moral. Nela, fatalmente, se desenvolvem as ideias de bem e mal.
Sua rebelião iniciava, antes de tudo, contra Deus.
No seu raciocínio, enquanto tivermos um amo no céu seremos escravos na terra: ante um Deus só pode haver obediência absoluta, nossa razão e vontade são anuladas. Daí decorre a subserviência acrítica aos intermediários que falam em seu nome, aos messias, profetas, legisladores divinamente inspirados, representando a autoridade divina que é a negação da liberdade.
As crenças religiosas, completava, não se devem exclusivamente à ignorância universal, mas, principalmente aos interesses de grupos privilegiados.
Repetia Ludwig Feuerbach, para quem o homem é o verdadeiro criador da divindade: após tê-la tirado do nada, ajoelhou-se diante dela, adorou-a e se proclamou sua criatura e seu escravo.
“A religião é o sonho do espírito humano. Mas também no sonho não nos encontramos no nada ou no céu …” (Feuerbach)
Finalizando, para Bakunin, Deus e liberdade se excluem. Invertia a conhecida frase de Voltaire e dizia: “se Deus existisse seria preciso aboli-lo!”
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