
Falta-nos fôlego! A vida contemporânea nos cobra o sucesso – econômico, emocional e social – já! Os exemplos de pessoas bem sucedidas pipocam nas redes. Os coaches e influenciadores pululam, para nos orientar. Tudo fácil, tudo à nossa mão.
O capitalismo, capitaneado pelos ideais neoliberais, propaga que o não-sucesso é uma falha; a meritocracia é o novo evangelho – a boa nova da superação.
Trabalho árduo, educação ao longo da vida, treinamentos, entusiasmo, crença no modelo … e tudo é possível. O autodesenvolvimento é a chave para a nossa sobrevivência no ritmo acelerado em que vivemos.
Para que fiquemos à tona, felizes e orgulhosos de nossas realizações, não podemos nos desviar desses mantras.
O fato é que, “o desenvolvimento pessoal se tornou um maiores objetivos da cultura moderna, dificultando fincar raízes onde estamos e cultivar relacionamentos saudáveis com as pessoas ao nosso redor e com nós mesmos”, diz Svend Brinkmann.
Brinkmann teve a coragem de publicar um livro de anti-autoajuda: “Positividade Tóxica”.
Ele lembra coisas básicas para a nossa saúde mental: “para encontrarmos a verdadeira felicidade, devemos aprender a nos manter firmes e a dizer não ao otimismo compulsivo imposto pela sociedade”.
Para os mais próximos tenho dito: “mande tudo à merda e, com calma, no seu ritmo, encontre-se; o resto surgirá”.
“Manter-se firme diante da positividade tóxica significa entrar em harmonia consigo, priorizar relacionamentos saudáveis, resistir a pressões externas e a discursos vazios do desenvolvimento pessoal e valorizar o que de fato faz parte de sua vida.” (Brinkmann)
Lembremos que a vida de cada um de nós é única, portanto nossos interesses e prazeres também. Nossa trajetória também não precisa se encaixar em filas, nem ser avaliada por scores.
Não devemos cair na armadilha da padronização da nova força de trabalho – instruídos, contentes, disponíveis e, amargurados por vivermos a vida que nos pautam.
Façamos nossas escolhas, com autocontrole, dignidade e conscientes da finitude da vida.
Nossa vida é o ativo que temos; não a deleguemos. A cobrança social é uma arapuca!
Realização pessoal é o que te faz bem; não está, normalmente, naquilo para o que te direcionam.
As legiões de orientadores, dispostos a pegar nas nossas mãos para nos conduzir nesse mundo disforme, repetem fórmulas que o “sistema” dissemina.
Ninguém, além de nós mesmos, pode nos ensinar como vivermos bem conosco mesmo.
A linha proposta por Brinkmann é a de estoicos, como Marco Aurélio e Epiteto:
“Não busque a felicidade fora, mas sim dentro de você, caso contrário nunca a encontrará.” (Epiteto)
“Você tem poder sobre sua mente – não sobre eventos externos. Perceba isso e você encontrará sua força.”
“A felicidade de sua vida depende da qualidade de seus pensamentos.”
“A alma é tingida com a cor de seus pensamentos.”
“Não é a morte que um homem deve temer, mas ele deve temer nunca começar a viver.” (Marco Aurélio)
Sim, o mundo é um lugar carregado de contradições e desafios. Mas, daí pode nascer a alegria de viver: passar pela vida sem perder a identidade, explorando nossas riquezas próprias.
No livro “A Coragem de Não Agradar”, de Ichiro Kishimi e Fumitake Koga, um jovem pergunta a um filósofo: “Você acredita mesmo que o mundo é um lugar simples?”
A resposta: “Sim, este mundo é espantosamente simples, assim como a própria vida”.
O jovem o refuta: ” A vida só é simples para uma criança; elas não têm obrigações como pagar impostos ou trabalhar. São protegidas pelos pais e pela sociedade e podem passar dias sem qualquer preocupação. Podem imaginar um futuro eterno e fazer o que quiserem … Porém, em pouco tempo, sua opinião mudará e aquela visão romântica é substituída pelo realismo cruel.”
O diálogo prossegue: o mundo é caótico e cheio de contradições, reforça o jovem.
“Mas isso não acontece porque o mundo é complicado. Acontece porque você está transformando o mundo em algo complicado. (…) Não vivemos em um mundo objetivo, mas em um mundo subjetivo ao qual damos sentido …”, responde o filósofo.
Sobre os traumas que alguns vivenciaram na infância, o filósofo rebate que eles sejam a “causa” de determinados desajustes psicológicos do presente.
“Todos os que foram vítimas de violência dos pais quando pequenos, por exemplo, deveriam sofrer os mesmos efeitos. Se não se aplica a todos, a ideia de que o passado determina o presente e de que causas controlam os efeitos está furada. Isto é determinismo. Se isso fosse verdade, nosso presente e nosso futuro seriam inalteráveis, já teriam sido decididos por acontecimentos do passado!”, argumenta o filósofo.
Ele quer dizer que muitos dos sintomas de hoje, que afetam nosso desempenho, baseia-se na insegurança, que criam uma ansiedade que se autoalimenta e gera o medo.
Isso é um pouco da psicologia de Alfred Adler, que nega o trauma, ao contrário de Freud.
“Nenhuma experiência é, em si, a causa de nosso sucesso ou fracasso. Nós não sofremos do choque de nossas experiências – o chamado trauma -, mas o transformamos em algo que atende aos nossos propósitos. Não somos determinados por nossas experiências, mas o sentido que damos a elas é autodeterminante.” (Adler)
Isso não quer dizer que uma experiência forte no passado não tenha relevância; a influência pode ser importante na formação da personalidade. Porém, somos nós que determinamos nossa vida de acordo com o sentido que damos a essas experiências passadas.
Ou seja, sua vida não é algo que alguém dá a você, mas algo que você próprio escolhe, e é você quem decide como viver.
Voltando a Brinkmann: estamos todos concentrados na mobilidade, no avanço, no ruído, nas expectativas externas. Portanto, parar para fazermos nossas escolhas e definirmos nossa trilha tende a ser relegado.
Deixar-se conduzir unicamente pelo reconhecimento externo leva-nos à escravidão, ao invés de simplesmente optarmos por fazer o que nos apraz.
Dirão que nem sempre é possível fazermos essas escolhas; nem sempre.