Ainda sobre a Independência

(D, Pedro entrega o decreto de lei que dava autonomia às escolas superiores. Pintura de Manoel de Araújo Porto-Alegre)

Em 1815 o Brasil foi elevado à condição de “Reino Unido a Portugal e Algarves”. Já comentei aqui as razões (https://balaiocaotico.com/2022/09/02/como-o-brasil-tornou-se-reino/)

Mesmo entendidas as motivações, em Portugal a incredulidade e o desânimo inspiravam,
de forma cada vez mais acentuada, um vago sentimento de orfandade política.


Numa carta dos governadores do reino para o Rio de Janeiro há esse desabafo:

“A ideia de que S. Majestade tem resolvido fixar no Brasil a sede da sua residência é a que mais fere toda a nação portuguesa e que a dispõe, apesar da sua bem provada lealdade (…) a poder deixar-se extraviar pelas perfídias sugestões dos revolucionários.

(…) não é possível que uma nação que descobriu, povoou, conquistou um país que considerava até agora como colônia sua, se acomode (…) a figurar como dependente ou subordinada dessa mesma colônia (…) e sendo a Europa a residência de todos os soberanos não é possível que permitam por muito tempo a existência de um estado considerável colocado na Europa e dependente de um soberano (…) na América.”

Havia um precedente: Adam Smith (falecido em 1790), ao seu tempo, propugnara que a Grã-Bretanha e as 13 colônias se organizassem sob a forma de um reino unido e, com o tempo, haver-se-ia de trasladar a sede real do poder para a América.

O vácuo político em Portugal levou à Revolução Constitucionalista do Porto, em 1820, movimento com ideias liberais que arrebata adeptos entusiásticos em todas as partes do reino lusitano.

No ano seguinte são instaladas as Cortes Gerais, com atribuições de constituintes.

D. João VI vê-se forçado a voltar a Portugal, após 13 anos no Brasil, onde iria aceitar e jurar a Constituição.

No mesmo dia em que parte, declara a regência do príncipe D. Pedro. Dois meses depois, as tropas portuguesas acantonadas no Rio de Janeiro obrigam o príncipe regente a jurar as “Bases da Constituição da Monarquia Portuguesa”.

D. Pedro como regente, tinha todos os poderes necessários ao pleno exercício de um governo, administrativa e politicamente autônomo, até mesmo para fazer a guerra e a paz.

No exercício desse governo, com quatro ministros, foi amadurecida a ideia de um Estado independente.

Os sinais de alerta estavam ao redor, com as revoluções por independência na América espanhola e o ideal de republicanismo, já tentado em 1817 em Pernambuco.

Por outro lado, nos trabalhos das Cortes, várias discussões e deliberações foram dando motivo a uma divisão de interesses entre deputados do Brasil e de Portugal.

Em setembro de 1821, por exemplo, os ânimos ficaram acirrados com a possibilidade, levantada pelos deputados portugueses, de envio de tropas para províncias do Brasil onde houvesse algum tipo de convulsão. Outro ponto de discórdia foi a criação da Província Cisplatina, que aumentou a percepção de que Portugal vinha sendo preterido em relação ao Brasil.

A divisão ficou insustentável quando, no final de setembro, as Cortes aprovaram decretos que exigiam o retorno de D. Pedro a Portugal entre outras determinações. A “polarização” acentuou-se. As Cortes agiam para “recolonizar” o Brasil.

A independência era inevitável, com ou sem D. Pedro. Aí entram as inteligências políticas de dona Leopoldina e de José Bonifácio de Andrada e Silva.

Independência, à época, não tinha o mesmo significado de hoje, de “não sujeição”. Significava “a liberdade de sujeição, de fazer o que se quer sem autoridade ou consentimento de outrem”, segundo um dicionário de 1813.

Alguns projetos cogitados de independência contemplavam, inclusive, a manutenção dos vínculos com Portugal.

Já em agosto de 1822, D. Pedro decretara que quaisquer tropas portuguesas ou de outras nações que desembarcassem no Brasil sem sua autorização seriam tratadas como inimigas de guerra e, encaminhou um manifesto às nações estrangeiras no qual pedia reconhecimento internacional.

“Quando se desmembrou de Portugal e se constituiu em Império, o Estado brasileiro já dispunha de razoável grau de organização e soberania.

As ‘jornadas’ de 1822, conduzidas por D. Pedro, não foi a subversão e sim a conservação do status quo. Seu objetivo não consistiu propriamente em conquistar a independência do reino do Brasil, mas em preservá-la contra a tentativa de restauração do sistema colonial.” (Luiz Alberto Moniz Bandeira)

Após a declaração da Independência, houve conflitos nalgumas províncias que se negaram a declarar lealdade ao movimento independentista: Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Bahia e Cisplatina. Esses conflitos se estenderam até 1824; em 1825 os portugueses reconheceram nossa independência.

Um aspecto pouco falado é que, apesar de protegidos pela Grã-Bretanha, os portugueses odiavam os ingleses por serem tratados arrogantemente como servos.

Lord Byron ao visitar Portugal ironizou a situação: “(…) uma nação inchada de ignorância e orgulho, que lambe mas detesta a mão que agita a espada para salvá-la da ira do senhor implacável da Gália.”

Décadas antes, o marquês de Pombal, quando secretário de Estado no reinado de D. José I, enviou uma carta a William Pitt, primeiro-ministro da Grã-Bretanha, ameaçando:

“Eu sei que o vosso Gabinete se arrogou o império sobre o governo de Portugal, mas sei também que é tempo de lhe dar fim.

Se meus predecessores tiveram a fraqueza de vos conceder até agora tudo quanto desejastes, pela minha parte vos concederei somente o que vos devo. (…)”

Mas como?

Daí, segundo Raimundo Faoro, “a Monarquia portuguesa, assediada pelas armas francesas e pelas manufaturas inglesas, rebelde à absorção estrangeira, voltou-se para a ex-colônia, numa obra quase nacionalista, capaz de convertê-la numa nação independente”.

D. João VI vislumbrou as potencialidades territoriais, demográficas, econômicas e políticas do Brasil. E ficou animado a tentar revitalizar o Império Português a partir do Brasil, ao qual poderia, até, anexar algumas colônias espanholas. Sonhava em ser proclamado Imperador da América.

Essa seria a motivação pessoal para patrocinar o Brasil à condição de reino. A razão política já falamos acima.

Esse artigo é uma continuação do (https://balaiocaotico.com/2022/08/31/sobre-a-independencia/)

Publicado por Dorgival Soares

Administrador de empresas, especializado em reestruturação e recuperação de negócios. Minha formação é centrada em finanças, mas atuo com foco nas pessoas.

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