
Nos anos 1970, os evangélicos representavam apenas 5% dos brasileiros. Hoje, devem ultrapassar um terço da população adulta do país. Espera-se que até o final da década superarão os católicos.
Ao falarmos em evangélicos em crescimento refiro-me, basicamente, aos neopentecostalistas, ou à Terceira Onda de Pentecostalismo. Esse movimento é relativamente novo, surgiu na década de 1970.
O Pentecostalismo tradicional havia surgido no início do século passado, como dissidência das denominações evangélicas dominantes, tais como a Batista, a Presbiteriana, Metodista etc.
Os neopentecostais são também conhecidos como “carismáticos“. Na Igreja Católica também surgiu um grupo com algumas dessas características, além das tentativas das “unidades eclesiais de base” e à própria “teologia da libertação”.
Alguns pastores “descobriram” que a libertação viria com a prosperidade – e dez por cento ficariam com eles.
Criaram, então, a “teologia da prosperidade”, apostando em Max Weber, para quem a ética protestante foi responsável pelo espírito capitalista existente e os países de doutrina protestante apresentaram prosperidade muito maior que os católicos.
Tornaram-se coaches e influencers de autoajuda com “respaldo” do divino.
O objetivo principal é sair e limpar-se da lama da miséria. Funciona, na maior parte dos entusiasmados (às vezes, desesperados).
Num país de poucas esperanças, a partir da falta de boa educação, o sucesso estava garantido. Sem o Estado e a solidariedade social, resta a esperança na transformação que Deus trará – naturalmente a partir de nossas ações, acreditando-se que Ele está por trás.
A política logo começou a explorar esse filão.
Não importa se um governante defende a tortura, a misoginia, a indiferença social, o uso de armas e outras manifestações psicopáticas; se ele apoia o movimento evangélico – que antes era discriminado pela sociedade predominantemente católica – terá seu apoio.
E se ele falar bonito, em família (mesmo no terceiro casamento), propriedade, combate ao comunismo, tradição, condenação do aborto, pátria … então!
Apesar de contrariar muitos dos preceitos cristãos, há um candidato com a preferência desses fiéis. Parece não importar que, apregoando João 8:32 (“E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”), faça da mentira seu principal argumento.
O atual governante obteve dois terços dos votos dos evangélicos na eleição anterior, o que foi decisivo para sua eleição. Em pesquisa recente, ainda detém 48% das intenções de votos neste segmento. Púlpitos transformam-se em palanques. Pastores inflamados defendem seus favoritos. Por que? O que ganham com isso? Alguém vai proibir seu proselitismo?
Há muita pobreza e essa fragilidade é um campo para exploração pelos políticos e pelos intermediários de Deus na Terra. Antes, as promessas dos políticos eram mais tentadoras; as divinas eram para outra etapa, o pós-vida.
Quando descobriram que a “graça” divina pode começar por aqui, houve um esplendor! Como as startups, descobriram a “dor” de um mercado gigantesco.
Valores associados à família estão sendo valorizados. Mas, o principal é a renda, a garantia da comida e da habitação. Se der, busca-se boa educação, saúde e segurança. É tudo que se quer. Aliás, é o mínimo.
Nosso país, em pouco tempo, transformou-se: de cerca de 70% rural passou a 80% urbano!
Essas pessoas ainda trazem, do meio rural, a ideia de respeito e de obediência. Manipulá-las não é difícil, como não era no campo.
Porém, esforços apoiados pela esquerda, como o apoio à temática LGBTQIA+, a legalização do aborto e das drogas, combate à misoginia e machismo etc. não encontram eco no ambiente evangélico. Naturalmente. Estão lendo (interpretando) a Bíblia para eles.
Eles não querem saber – na sua maioria – de assuntos chatos, como mudanças tecnológicas, meio ambiente, política fiscal, ascensão social etc. Querem sobreviver, se possível, com dignidade.
Isso não quer dizer que não saibam como votar. O voto – para os pobres em geral – é uma resposta ao que é real para eles. Quem faz por eles (uma rua, uma camiseta, uma cesta básica …) merece seu voto. O Centrão sabe disso.
Segundo Juliano Spyer, autor de “Povo de Deus”, “na conversão, ganha-se a oportunidade de começar do zero: ele pode ser quem ele quiser e entende que não é melhor nem pior do que ninguém. Não quer ser comandado nem aceita ser paternalizado.”
Peço desculpas a muitos mas, há um contingente importante desses fiéis que não é “povo de Deus”: é rebanho de pastores ignóbeis e políticos hábeis em manipulação.
Esses evangélicos podem participar da política? Claro que podem. Os católicos sempre participaram!
Mas, isso não significa trazer para o ambiente político sua carga teológica. O país é laico!
Quanto maior for o sucesso político de grupos de pressão ligados a denominações específicas, mais os limites borrados da separação entre igrejas e o Estado, um pilar básico de democracias laicas, serão testados contra tentativas de expansão confessional da política. ( Rafael Mafei)
Parece haver um efeito econômico nessa adesão ao neopentecostalismo. O IBGE poderia retratar isso.
“O cristianismo evangélico é uma religiosidade que leva pessoas à classe média.
Não conduz ao enriquecimento, mas leva, primeiro, a uma disciplina geral: parar de frequentar o bar, usar drogas, ter relações fora da família. E a vida melhora.” (Spyer)
Nem se trata de meritocracia, mas de uma lista de prioridades sensatas.
A palavra de Deus parece resumir-se a cuidar de seus interesses pessoais. A mulher, normalmente vítima do fracasso familiar, adora.
O estímulo à leitura da Bíblia também funciona como um incentivo à educação, básica.
A mulher é importante para esse movimento: quando ela consegue levar a família toda para dentro da igreja, a vida fica mais previsível – porque sabe onde o marido está – e ela obtém status de poder dentro de casa, como mediadora do sagrado. Daí, serem as mulheres maioria nas conversões pentecostais.
Faltam pesquisas, mas acredita-se que o ingresso nas igrejas tem efeito sobre a redução do alcoolismo e da violência doméstica e acaba por empoderar as mulheres.
“o ambiente de muitas da igrejas evangélicas estimula a disciplina pessoal e a resiliência dos fiéis, promove a cultura do empreendedorismo, fortalece a atuação de redes de ajuda mútua e incentiva o investimento em instrução profissional.
Para as igrejas evangélicas, a pobreza é um problema individual.” (Juliano Spyer)
Essa visão, weberiana, parece ser mais produtiva para os pobres, como meio de progresso do que a visão coletivista da Igreja Católica.