
Defendo há muito o chamado Método Toyota de gestão empresarial.
Tentando resumi-lo: focar no planejamento de longo prazo; ressaltar problemas em vez de escondê-los; incentivar o trabalho em equipe com os colegas e fornecedores; instalar uma cultura autocrítica que acalenta um processo implacável e contínuo de melhoria dos processos, produtos e serviços; criar uma mentalidade de eliminação do desperdício …
Um dos princípios ressaltado por W. Edwards Deming, nas suas reuniões iniciais com os líderes empresariais japoneses, em 1950, surpreendeu a todos: “O consumidor é a parte mais importante da linha de produção”. Hoje, isso é banalizado.
Um aspecto que valorizo no Método Toyota é o engajamento – e, nalgumas empresas, o empoderamento – entre o trabalho no “chão de fábrica”, os administradores e os objetivos empresariais. Todos se sentem parte no resultado final, e esse resultado deve ser de boa qualidade.
Uma empresa consciente reconhece e remunera esse empenho.
Não é infalível, como qualquer sistema que pretenda “administrar” a complexidade de uma organização – mais ainda, uma cadeia de produção e consumo.
Tivemos na década de 2010, recalls importantes da própria montadora e, na pandemia recente, desabastecimentos por quebra do ritmo de fornecedores e da logística. A solução foi a adesão mais rígida ao Método. Seus princípios foram comprovados nos últimos 70 anos.
Com o crescimento do papel dos que fazem – os operários, nas indústrias – diminui e em muitos casos torna-se irrelevante a figura tradicional de supervisores e média gerência. O sistema requer confiança, o que automotiva a todos os envolvidos. A atuação dá-se nos processos, mas através das pessoas, todas, e não exclusivamente pelos iluminados “chefes”.
Apesar do sentimento de “vira-lata” que Deming encontrou no Japão, eles abraçaram o desafio e transformaram a gestão, lá e no mundo.
“O primeiro obstáculo a ser vencido a nível de direção no Japão em 1950 foi a suposição geral de que seria impossível eles fazerem concorrência à indústria americana e europeia, em vista da reputação de má qualidade dos bens de consumo produzidos no Japão.” (Deming)
Nos anos 1980 os americanos começaram a reagir, ao seu modo. Afinal, os grandes símbolos – principalmente no mercado automobilístico – estavam sendo engolidos.
Entre vários ensinamentos dos “gurus”, surge em 1993 a ambiciosa proposta de “Reengenharia”, de Michael Hammer e James Champy.
Ressaltavam que essa “não é mais uma ideia importada do Japão; a reengenharia não trata de ‘consertar’ nada; ela significa começar de novo, começar do zero” (ufa!).
“A reengenharia não procura tornar melhor as empresas através de sucessivas melhorias: 10% mais rápido aqui ou 20% mais barato ali. O propósito da reengenharia é um salto quântico de desempenho – as melhorias de 100%, ou mesmo de 1.000%, que podem resultar de processos e estruturas de trabalho inteiramente novos.” (Hammer e Champy)
O termo “quântico” passou então a adjetivar tudo que se queira.
A reengenharia não era, a rigor, nada além da revisão dos processos, aliada ao conceito enunciado nos anos 1960 por Peter Drucker: distinção entre eficiência e eficácia (e efetividade, seu conjunto).
“Empresas bem sucedidas não perguntam ‘Como acelerar o que fazemos?’ ou ‘Como melhorar o que fazemos?’. Pelo contrário, elas se perguntam: ‘Afinal, por que fazemos o que fazemos?'”
Nesse caminho, os antigos cargos e estruturas organizacionais – departamentos, divisões, grupos – perdem a importância.
Foi uma carnificina!
Um amigo, Courtnay Guimarães, trouxe a um grupo de estudos, um artigo muito interessante de Daniel Markovits, publicado em 2020 na The Atlantic (anexo).
Ele aborda como a Meritocracia e a Reengenharia mudaram não apenas as estratégias corporativas, mas também os valores corporativos e, importante, o papel desempenhado pelas Consultorias empresariais nessas transformações e o impacto na concentração de renda.
“A gestão tecnocrática, por mais brilhante que seja, não consegue desfazer as desigualdades estruturais que estão desmantelando a classe média americana.
Pensar que pode é ser insensível aos danos reais que as elites tecnocráticas, na McKinsey e outras empresas de consultoria de gestão, causaram aos Estados Unidos. (…)
Quando as reestruturações erradicaram o treinamento no local de trabalho e expurgaram os degraus intermediários da escada corporativa, elas também forçaram as empresas a olhar além de seus muros em busca de talentos gerenciais – faculdades de elite, escolas de negócios e (é claro) empresas de consultoria gerencial.
Ou seja: as técnicas administrativas inventadas pelos consultores gerenciais criaram uma demanda enorme justamente pelos serviços que os consultores fornecem.” (Markovits)
(https://www.theatlantic.com/ideas/archive/2020/02/how-mckinsey-destroyed-middle-class/605878/)