
O que hoje chamamos Brasil era, à época da chamada Independência, apenas um conjunto de colônias que “tinha tudo para dar errado: de cada três brasileiros, dois eram escravos, negros forros, mulatos, índios ou mestiços. Era uma população pobre e carente de tudo. O medo de uma rebelião escrava pairava como um pesadelo sobre a minoria branca. Os analfabetos somavam mais de 90% dos habitantes”, diz Laurentino Gomes em “1822”.
Não sou pessimista a ponto de asseverar que deu errado; digamos que ainda não deu certo.
No entardecer de 7 de setembro de 1822, Dom Pedro, um rapaz de 23 anos, vindo de Santos chegara ao riacho Ipiranga, nos arredores da vila de São Paulo, seguido de alguns acompanhantes.
É abordado por mensageiros com cartas de José Bonifácio de Andrada e Silva, da princesa Leopoldina e do cônsul britânico na capital, Henry de Chamberlain: Lisboa havia cassado sua regência sobre a colônia!
Dom João VI havia voltado a Portugal um ano antes, em decorrência da Revolução do Porto (1820) e por uma convocação das Cortes. O monarca decidindo a partir da colônia incomodava a elite da metrópole.
A Revolução do Porto foi um levante militar (essa tradição é antiga!) apoiado pelas elites portuguesas. Exigiam uma monarquia constitucional e um enfrentamento à crise econômica decorrente do bloqueio napoleônico, que impedia o comércio com a patrona Inglaterra.
Foi esse bloqueio econômico que fez com que a Corte portuguesa (cerca de 4 mil pessoas!) fugisse para a colônia, ao não acatá-lo.
Essa vinda foi marcante: abriram-se os portos às nações amigas – acabando o monopólio comercial com Portugal – e elevou o que viria a ser o Brasil à condição de reino (em 1815), em pé de igualdade com Portugal! O Brasil deixava de ser colônia! Enquanto isso, Portugal estava invadido por tropas francesas.
Finalmente, os franceses foram expulsos em 1810, porém as tropas inglesas ficaram por lá e, o exército português ficou sob comando dos ingleses, assim como o governo de Portugal, comandado pelo militar William Carr Beresford. Na prática, Portugal tornou-se um protetorado britânico.
Somado a isso, houve uma crise agrícola, a inflação aumentava e o país ficava sem reservas e sem crédito. A saída imaginada pela elite portuguesa era “recolonizar o Brasil” para que sua exploração rendesse os recursos necessários para a recuperação portuguesa.
Ou seja, o Brasil “ia bem” e Portugal vivia tempos difíceis. Então, foi fácil para as ideias liberais ganharem força em Portugal – os ideais da Revolução Francesa eram muito atuais.
Esse desejo de recolonizar o Brasil gerou uma insatisfação por aqui que despertou o movimento pela independência.
A rigor, os sentimentos nativistas e de independência já estavam presentes desde a Revolução de 1817, em Pernambuco, à qual “se atribui o caráter de acontecimento fundador do Brasil e fundamental para o processo de independência”, segundo Gonçalo de Barros Carvalho e Mello Mourão.
Precisamos “presentificar o passado”, nos termos de João Paulo Pimenta, doutor em História, significando que “a abordagem do passado se faz a partir de palavras, ideias, conceitos, imagens, interesses, problemas e necessidades do presente …”
O fato é que o passado do nosso país não ficou para trás. Ele não está parado, “morto” ou afastado de nós. Ele está entre nós, vivo, atuante no nosso dia a dia: a história é tanto passado como presente. Ele ainda nos cobra atitudes, posicionamentos, pensamentos e ações.
Nossa independência ainda está pendente.
Já houve, sim, a independência de uma certa elite em relação à da metrópole. Mas, o povo, que constitui majoritariamente a nação, nunca foi “independente”.
A integridade territorial do país, que não se fragmentou como nos países hispânicos da América do Sul, deveu-se à negociação da elite rural com o “Império” para sua defesa, desde que seus ativos não evaporassem. Esses ativos eram os escravos.
Afinal, o que é o Brasil? Seu território ou seu povo? Há uma identidade nacional entre as várias etnias, gêneros, classes sociais e regiões? Não, na minha opinião. Há uma nervosa tolerância, que sob pressão, se revela como ranço histórico.
Sobre a data a ser comemorada como a da nossa “independência”, há a oficial, 7 de setembro; mas há também o 9 de janeiro, dia do Fico; assim como o 12 de outubro, quando D. Pedro foi aclamado como imperador, ou 1º de dezembro, quando foi coroado.
Entretanto, para os baianos, a data a ser celebrada é 2 de julho; no Maranhão, vale o 8 de julho; no Pará, aceita-se o 15 de agosto, todas referentes a 1823. São datas nas quais aquelas antigas províncias aderiram ao Império do Brasil.
Bom, o fato é que já se passaram 200 anos desses acontecimentos.
Nas comemorações do Sesquicentenário da Independência, em 1972, o governo militar fez festas por meses; a ideia era associar independência com o regime autoritário!
Agora, no bicentenário, trouxeram o coração de D. Pedro para prestigiar os rompantes do governo atual.
O poder vigente sempre saberá usar as efemérides. O Povo acompanha, aplaude, se orgulha. É assim.
Depois voltarei a falar sobre José Bonifácio de Andrada e Silva e sobre Dona Leopoldina, já abordados noutros contextos: (https://balaiocaotico.com/2020/09/07/e-dificil-mas-tem-jeito/)
Um comentário em “Sobre a Independência”