
Mikhail Gorbachev foi o último líder da URSS, entre 1985 e 1991. Hoje ele se foi, aos 91 anos.
Visionário ou ingênuo, percebeu que o regime soviético não resistiria no seu formato engessado e lustroso, tanto militar quanto economicamente. Procurou alternativas para a sobrevida do regime.
Acompanhei com interesse esse esforço: a Perestroika, uma reestruturação econômica, e a Glasnost, uma inesperada abertura política. Na verdade, ele não se via como revolucionário, era apenas um reformista. Imaginava “um socialismo humano e democrático”.
Talvez fosse muito tarde; o fato é que o sistema desmoronou e a URSS se desintegrou em dezembro de 1991, com sua renúncia.
Os russos, na sua maioria, o culpam pelo desastre do que já não aguentava ficar em pé. Os verdadeiros gatilhos foram, no entanto, os 70 anos de políticas econômicas equivocadas, o colapso do preço do petróleo a partir de 1985 e a “ganância” da elite.
No seu 80º aniversário, Anne Applebaum escreveu: “Longe de ser celebrado como herói, ele é comumente lembrado como um líder desastroso – isso quando chega a ser lembrado. A maioria dos russos não anseia por agradecer a ele pelo fim do ‘império soviético’. Uma pesquisa de opinião mostrava que cerca de 20% dos russos sentiam uma hostilidade ativa em relação a Gorbachev, 47% eram indiferentes e apenas 5% diziam admirá-lo.”
Anos antes, ele inspirava hostilidade em 45% dos russos. No Ocidente, entretanto, sua reputação era obviamente mais positiva. Era tratado como um “símbolo” da paz e do bem-vindo fim da Guerra Fria.
A Guerra Fria foi congelada, mas começa a aquecer. Putin sempre lembra que o desmantelamento da União Soviética foi “a maior catástrofe geopolítica” do século 20.
Gorbachev reconhecia que a Rússia não colheu os frutos benéficos da livre democracia: “Temos instituições, mas elas não funcionam. Temos leis, mas elas precisam de policiamento para serem cumpridas”, resignou-se.
Os partidos políticos são débeis, falta transparência política no Kremlin, a antiga KGB (FSB e SVR, atualmente) continua uma fonte de poder e de influência.
Alexander Litvinenko, tenente-coronel da FSB (Serviço Federal de Segurança) foi assassinado (envenenado com polônio 210) ao denunciar no livro “A Explosão da Rússia”, como as sucessoras da KGB conseguiram impor um “estilo russo” de governo.
Gorbachev, na sua autobiografia (“Minha Vida”), diz que sentia-se responsável pela morte da mulher que amava, Raíssa, em 1999: “Percebi o quanto ela se abateu com os acontecimentos recentes; como nosso país pôde ter sido tomado por pessoas sem decência, escrúpulos e responsabilidade”.
Em outubro de 1986, ele se reuniu com Ronald Reagan em Reykjavik, e, por um triz quase fecharam um acordo de um prazo de dez anos para eliminação dos arsenais nucleares dos dois países.
Seria um acordo desejável, mas impossível. A indústria da guerra manteria? E os outros países?