
Poucos eventos na história moderna são tão importantes quanto a explosão na Unidade 4 da usina nuclear de Chernobyl em 26 de abril de 1986, na época a terceira mais poderosa da Terra.
Os soviéticos não perceberam imediatamente que estavam lidando com o pior desastre nuclear da história da humanidade. Por que se demorou tanto para que a ação decisiva chegasse?
A burocracia soviética, num regime alimentado pelo medo e pela vigilância (“Confie, mas confira” seria o lema da KGB) e, o temor de que a “falha” afetasse a imagem da URSS no mundo, fizeram com que o acidente tomasse uma escala catastrófica.
“A tradição russa é esconder a verdade do chefe e do povo. Ficamos enojados como aquilo acontecia e ainda acontece.” (Alexander Kessel, cineasta ucraniano)
Pelos números oficiais do governo soviético, 31 pessoas morreram após a explosão do reator nº 4 na planta nuclear de Chernobyl, nos arredores da cidade ucraniana de Pripyat. Acredita-se que milhares de pessoas tenham morrido nos anos seguintes de problemas de saúde decorrentes da contaminação radioativa. A cidade de Pripyat continua, até hoje, abandonada.
Cerca de 1 milhão de pessoas foram retiradas da região – com certa negligência oficial; os custos superaram US$ 700 bilhões; estima-se que 10 milhões de pessoas foram expostas de alguma forma à radiação.
Em 2006, Mikhail Gorbachev avaliou que “O derretimento nuclear em Chernobyl foi talvez a causa real do colapso da União Soviética”. Ele era o líder soviético desde um ano antes do acidente.
Ontem, foi divulgado que a Hungria vai ampliar a única central nuclear do país, com a construção de dois novos reatores. De fabricação russa!
Esse investimento é saudado como garantidor do fornecimento energético no país, nas palavras de Péter Szijjártó, ministro dos Negócios Estrangeiros da Hungria:
“É agora mais claro do que nunca que os países que têm energia nuclear e centrais nucleares podem sentir-se mais seguros em termos do seu aprovisionamento energético. Quanto maior for a capacidade de energia nuclear de um país, mais seguro ele será no futuro”.
Os riscos operacionais e o tratamento adequado do entulho tóxico não são abordados. Pela apuração de Benjamin Sovacool já ocorreram mais de 100 acidentes em centrais nucleares.
Os húngaros estão menos ameaçados pelo estrangulamento do gás russo; a dependência será do urânio e da tecnologia. O alívio de curto prazo deve-se ao fato de que a indústria nuclear russa não foi sujeita a sanções da UE.
A UE está numa sinuca de bico: no mês passado, em resposta à crise energética, o Parlamento Europeu apoiou a proposta de que o gás e a energia nuclear deveriam ser considerados fontes de energia sustentáveis.
A preocupação com o meio ambiente ficou noutro plano, apesar da onda de calor recorde que varreu a Europa neste ano e que tende a ser característica até 2035, mesmo que todos os países reduzam suas emissões de gases de efeito estufa tanto quanto se comprometeram.
Os preços da eletricidade estão nas alturas: o MWh ao custo de 75 a 100 Euros é considerado muito caro na Europa, e atualmente, o preço da eletricidade tem superado 400 Euros nalguns países! Para comparação, a média brasileira no ano passado ficou em R$ 733/MWh, equivalentes a 120 Euros.
Voltando a Chernobyl.
O reator RBMK, utilizado na central, é considerado uma das principais razões do acidente. Os cientistas que construíram o reator pensaram que seria impossível que uma determinada combinação ocorresse ao mesmo tempo. Daí, não criaram sistemas de proteção. Contudo, essa cadeia de eventos, que os cientistas julgaram impossível, ocorreu em 26 de abril de 1986.
Na madrugada deste dia, o engenheiro de turbinas Aleksandr Akimov apertou o botão de emergência do reator da Unidade 4, após um desastroso teste, e ele explodiu!
A cronologia que Andrew Leatherbarrow traz no seu livro “Chernobyl – 01:23:40” é impressionante. Ele foi consultor da minissérie “Chernobyl”, da HBO.
A televisão estatal russa estava produzindo sua própria série sobre o que aconteceu, que entre outras “verdades”, mostrará como a CIA teve envolvimento no desastre!
“A União Soviética era um regime excessivamente secreto, suas más práticas de gestão e comunicação contribuíram ainda mais para as causas do acidente.
Quando o reator 4 explodiu, espalhando nuvens radioativas no hemisfério Norte da Terra, da Checoslováquia ao Japão, e liberando na atmosfera o equivalente a 500 bombas de Hiroshima, o Partido Comunista da União Soviética tentou controlar informações para criar sua própria versão dos fatos.
O governo soviético não queria que as más notícias se espalhassem tão rapidamente quanto a radiação. Por isso, cortou as redes de telefonia, e os engenheiros e funcionários da usina nuclear foram proibidos de compartilhar informações sobre o que aconteceu com seus amigos e familiares, explica o historiador Serhii Plokhii.”
(Oleksiy Breus, operador da usina que estava trabalhando na sala de controle do reator 4 na manhã de 26 de abril de 1986)
Svetlana Aleksiévitch, ucraniana, Nobel de literatura, traz relatos humanos sobre o acidente no livro “Vozes de Chernobyl”.
“Vivemos uma época em que as tragédias não têm limites nem fronteiras.
O progresso que a humanidade tanto está buscando nos levará à autodestruição.
A humanidade tomou o lugar errado dentro da natureza. É ingenuidade usar a força dentro da natureza.” (Svetlana Aleksiévitch)