
Carl Sagan escreveu “O Mundo Assombrado pelos Demônios” em 1995. Foi seu penúltimo livro.
Nele, nota-se uma preocupação com o negativismo científico, consequência do que chamava de analfabetismo científico. Para ele, a ciência era como uma vela no escuro. Citava Isaías: “Esperamos pela luz, mas contemplamos a escuridão”.
Dedicou parte de sua vida à divulgação científica, popularizando assuntos antes restritos à academia. Os filtros culturais e educacionais fazem chegar ao público leigo principalmente simulacros e confusões – ou superstições. Não me refiro às religiões. A população, em geral, continua a se informar pela “cultura popular”. Nem havia redes sociais à época.
Platão, 24 séculos atrás, já se preocupava com o analfabetismo científico de então:
“Aquele que não sabe contar um, dois, três, nem distinguir os números ímpares dos pares, ou que não sabe contar coisa alguma, nem a noite nem o dia, e que não tem noção da revolução do Sol e da Lua, nem das outras estrelas (…)
Com espanto, eu, no final da vida, tenho tomado conhecimento de nossa ignorância sobre essas questões (…)
Repetia um ditado popular: “É melhor acender uma vela do que praguejar contra a escuridão”.
Sabia apreciar os nossos parcos conhecimentos sobre a realidade, com humildade semelhante à de Einstein, que entendia que “Toda a nossa ciência, comparada com a realidade, é primitiva e infantil e, no entanto, é a coisa mais preciosa que temos.”
Um ano antes havia escrito “Pálido Ponto Azul”, no qual fundamentava nossa necessidade de humildade diante do Universo:
“A Terra é um cenário muito pequeno em uma imensa arena cósmica.
Pense nos rios de sangue derramados por todos aqueles generais e imperadores, para que, em sua glória e triunfo, eles pudessem se tornar os mestres momentâneos de uma fração desse ponto.
Pense nas infindáveis crueldades infligidas pelos habitantes de um canto deste pixel aos quase indistinguíveis habitantes de algum outro canto.
Quão frequentes as suas incompreensões, quão ávidos de se matarem e o quão fervorosamente eles se odeiam.
Nossas atitudes, nossa imaginária autoimportância, a ilusão de que temos uma posição privilegiada no Universo, é desafiada por este pálido ponto de luz.”
Preocupava-o (achava perigoso, até), 27 anos atrás, que o cidadão médio continuasse a “ignorar o aquecimento global, a poluição do ar, o lixo tóxico e radioativo, a chuva ácida, a erosão da camada superior do solo, o desflorestamento tropical, o crescimento exponencial da população …”
Sobre seu suposto ateísmo, respondia que “A ideia de que Deus é um gigante barbudo de pele branca sentado no céu é ridícula. Mas se, com esse conceito, você se referir a um conjunto de leis físicas que regem o Universo, então claramente existe um Deus. Só que ele é emocionalmente frustrante: afinal, não faz muito sentido rezar para a lei da gravidade!”
Ele se aproximava da ideia de Spinoza, para quem “Deus é causa imanente, e não transitiva, de todas as coisas“; “Tudo o que existe, existe em Deus, e sem Deus, nada pode existir nem ser concebido“; “Deus age exclusivamente pelas leis de sua natureza“.