
A Rússia voltou à cena geopolítica, pretendendo ser protagonista. Após ser menosprezada nos anos 1990, quando do fim da URSS, tem se preparado para recuperar sua autoestima, aliás, sua ideia de grandeza.
Há alguns mentores dessa ressignificação russa no tabuleiro político. Um deles é o economista Sergey Glazyev, membro da Academia Russa de Ciências, ex-assessor do Kremlin e que está posicionado como Ministro da Integração e Macroeconomia da União Econômica da Eurásia.
Outro “pensador” é Aleksandr Dugin, que está no noticiário em decorrência do assassinato de sua filha, Darya Dugina, neste sábado, 20 de agosto, numa ação que a Rússia atribui à Ucrânia e Kiev aponta para Moscou.
Dugina, assim como o pai, era defensora da invasão russa à Ucrânia.
Dugin é um estudioso da geopolítica, mas também se interessa por misticismo e teorias da conspiração. Há quem o classifique como um novo Rasputin ou “O cérebro de Putin“.
É filósofo, sociólogo, cientista político e ativista. Destaca-se como o principal pensador do neoeurasianismo, com seu projeto geopolítico de congregar as nações europeias e asiáticas em uma União Eurasiana para fazer oposição à hegemonia internacional americana e estabelecer uma realidade global multipolar.
Ele se opõe à globalização, à pós-modernidade; discorda do “fim da história” e do status quo.
Teve participação ativa, desde o final da década de 80, em diversos movimentos nacionalistas e revolucionários visando salvaguardar a soberania e restaurar a glória de sua nação.
Fala de “revolução” conservadora, com um gosto de nostalgia, temperada de ressentimentos.
Do seu livro “A Quarta Teoria Política“, de 2012, extraí o resumo abaixo:
“No mundo atual, a política parece ter acabado, pelo menos como nós a conhecemos.
O liberalismo persistentemente lutou contra seus inimigos políticos que haviam oferecido sistemas alternativos; isto é, o conservadorismo, o monarquismo, o tradicionalismo, o
fascismo, o socialismo e o comunismo, e finalmente ao fim do século XX, havia derrotado todos eles.Seria lógico assumir que a política se tornaria liberal, enquanto todos os seus oponentes marginalizados reconsiderariam suas estratégias e formulariam uma nova frente unida segundo a periferia contra
o centro, de Alain de Benoist.Mas, ao invés, no início do século XXI tudo seguiu um roteiro diferente.
O liberalismo, que sempre havia insistido na
minimalização da política, tomou a decisão de abolir a política completamente após seu triunfo.Talvez isso tenha sido para prevenir a formação de alternativas políticas e para tornar seu domínio eterno, ou porque a agenda política havia simplesmente expirado com a ausência de rivais ideológicos, cuja presença Carl Schmitt havia considerado indispensável para a construção adequada de uma posição política.
Independentemente da razão, o liberalismo fez tudo o possível para garantir o colapso da política.Ao mesmo o tempo, o próprio liberalismo mudou, passando do plano das ideias, programas políticos e declarações para o plano das coisas, penetrando na própria carne da realidade social, a qual se tornou liberal.
Isso foi apresentado não como um processo político, mas como um processo natural e orgânico.
Como consequência de tal virada histórica, todas as outras ideologias políticas, lutando apaixonadamente uma contra a outra durante o último século, perderam sua vigência.
O conservadorismo, o fascismo e o comunismo, junto com suas variações secundárias perderam a batalha e o liberalismo triunfante transmutou-se em um estilo de vida: consumismo, individualismo e uma iteração pós moderna do ser fragmentado e subpolítico.A política se tornou biopolítica, passando ao nível individual e subindividual.
Acontece que não foram apenas as ideologias políticas derrotadas que deixaram o palco, mas a política, enquanto tal, incluindo o liberalismo, que também se retirou.
É por essa razão que a formação de uma alternativa se tornou tão difícil. Aqueles que não concordam com o liberalismo se encontram em uma situação difícil – o inimigo triunfante se dissolveu e desapareceu; eles estão lutando contra o ar.
Como se pode engajar na política, se não há política?
Há apenas uma saída – rejeitar as teorias políticas clássicas, tanto vitoriosas como derrotadas, empenhar a imaginação, tomar a realidade do novo mundo global, decifrar corretamente os desafios da Pós-Modernidade, e criar algo novo – algo para além das batalhas políticas dos séculos XIX e XX.
Tal abordagem é um convite ao desenvolvimento da
Quarta Teoria Política – para além do comunismo, do fascismo e do liberalismo.
Alain de Benoist, citado acima é um dos ideólogos da chamada Nova Direita. Critica o neoliberalismo, o cristianismo, a ideia de mercado livre, a democracia e o igualitarismo.
Carl Schmitt (1888-1985), também mencionado, foi filósofo e jurista e, membro proeminente do Partido Nazista.
Já falamos sobre ele aqui: (https://balaiocaotico.com/2022/03/28/a-obsessao-pelo-homogeneo-a-pureza/)
Talvez faça sentido ver o papel político de Dugin na Rússia como equivalente ao que Olavo de Carvalho desempenhou no governo atual.
Olavo, inclusive, se gabava de tê-lo “apresentado” ao público americano. Chegaram a participar de uma live interminável. Tratava-o como “eminente pensador e estrategista”.
Vejam a descrição que faz do Dugin, no típico estilo olavista:
“As idéias do prof. Dugin são uma síntese complexa dos seguintes elementos: o marxismo-leninismo-stalinismo, a geopolítica de Halford J. Mackinder e Karl Haushoffer, o messianismo russo de Aleksei Khomiakov, Nicolai Danilevski, Fiodor Dostoiévski e Vladimir Soloviev, o islamismo, o esoterismo de René Guénon e Julius Evola, bem como o pensamento “revolucionário conservador” (protonazista) de Moeller van den Bruck e Edgar Julius Jung.” (Olavo de Carvalho)
Bom, todos os nomes elencados são bem conhecidos dos seus alunos.