
Filha de um operário e de uma empregada doméstica, Lélia Gonzalez nasceu em Belo Horizonte. Era a penúltima de 18 irmãos.
A exemplo do que ocorre com uma parcela considerável das mulheres negras desse país, ela trabalhou como empregada doméstica e babá.
Apesar das dificuldades, Lélia Gonzalez graduou-se em História e Geografia. Em 1962, tornou-se bacharel em Filosofia pela atual UERJ.
Lecionou na Universidade Gama Filho, quando realizou várias pesquisas sobre relações de gênero e etnia.
Angela Davis, ao visitar o Brasil em 2019, disse que os brasileiros precisariam conhecer/reconhecer mais a pensadora Lélia Gonzalez, uma das pioneiras nas discussões sobre a relação entre gênero, classe e raça no mundo.
Num artigo, Lélia observa que, no século XIX houve um projeto de criação de uma identidade nacional que recuperava – miticamente – o índio. Os nomes da nobreza brasileira que se forma, de condes, barões etc., a partir da Independência, de um modo geral nos remetem a nomes indígenas.
Nesse plano de nação homogênea, atribuía-se uma ancestralidade indígena, porque os índios já haviam sido liquidados, todos, na costa brasileira.
Já não havia ninguém para contar a história, ou foram expulsos para os confins do interior, até voltarem a ser perseguidos, quando esse interior passou a ser o novo horizonte econômico, nosso far west.
José Bonifácio, que lutou pela abolição do tráfico negreiro, trazia a perspectiva da formação de uma nação homogênea, que nunca foi assimilada pelas elites.
No post que publiquei em 7 de setembro de 2020, falei um pouco sobre isso:
Sem essa aceitação da homogeneização não se pode falar em “Democracia racial”, como apregoava Gilberto Freyre.
Freyre, nas suas conferências nos EUA, na década de 1940, destacava a singularidade das relações interétnicas no Brasil, em relação ao padrão americano.
Aqui, o catolicismo teria deixado marcas universalistas e, a relação entre diferentes grupos étnicos e raciais tendia a produzir sociedades miscigenadas cultural e racialmente, no interior das quais polos inicialmente antagônicos, distanciados pela situação colonial, acabariam por se aproximar num processo de superação de conflitos seculares.
O Brasil, argumentava, desenvolvera um ambiente resistente à criação de guetos e que, mesmo hierárquico, desigual e injusto, cultivava uma relação no mínimo fraterna entre os diferentes grupos que compunham o todo nacional.
É um argumento lindo, auspicioso, idílico até.
Os guetos não são formais, mas existem na prática no inchaço periférico das cidades e suas crescentes favelas. A discriminação racial se dá, de fato, lastreada pelo estrangulamento socioeconômico.
Com a abolição, os negros “libertos” foram instantaneamente presos ao tronco da miséria econômica. Sem uma compensação educacional que gerasse oportunidades, a sua marginalização perdura. Até as cotas para o ensino público superior, conquista de dez anos atrás, é ameaçada pelos neoliberais que arrotam a prevalência da meritocracia.
O fato é que o Brasil, gostem ou não, tem uma população com maioria de pretos e pardos, com salário médio cerca de 43% inferior ao dos brancos!
O racismo no nosso país é entranhado, dissimulado, além de estrutural!
O discurso freyreano era politicamente interessante para os dirigentes, pois não alimentava aspirações maiores aos escanteados: afirmava que os portugueses não haviam trazido ao Brasil separatismos políticos nem divergências religiosas; tampouco discriminações raciais insuperáveis. Isso era um cimento que dava unidade ao país.
O mito da democracia racial, articulado sociologicamente por ele, foi transfigurado em ideologia nacional.
O artigo abaixo, da doutoranda em Sociologia Anita Pequeno, pormenoriza esse mito e fala do embate de Lélia Gonzalez na luta do movimento negro.
(https://econtents.bc.unicamp.br/inpec/index.php/tematicas/article/view/15910/11309)
Super feliz com sua linhas traçadas a partir do meu texto. Quem herda não rouba. Te amo, pai. Obrigada!
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