
Ontem, 9 de agosto, alguns lembraram da morte de Hermann Hesse, há exatos 60 anos. Seus livros me acompanharam na juventude e me ajudaram a ver o mundo sob outras perspectivas.
Ele buscava a sabedoria, não como erudição, mas como o desnudamento da oculta santidade da vida, a sacralidade do existir. Ele fora muito influenciado pela miséria e maldade humanas que viu na Primeira Guerra e, por uma visita à Índia, em 1911.
Há um trecho em O Lobo da Estepe, no qual Harry Haller diz: “O dia passara como normalmente passam os dias; eu o havia desperdiçado, dissipado suavemente … sentava agradecido junto à estufa a ler os jornais, verificando satisfeito que não estalara nenhuma nova guerra, que não surgira nenhuma nova ditadura, que não se descobrira nenhum nauseante escândalo no mundo da política e das finanças.”
Para ele, havia dias bons, mornos, que odiava por representar o medíocre, o normal, a acomodação: “Se o mundo estiver certo, com essas diversões em massa e esses tipos americanizados que se satisfazem com tão pouco, então estou louco”.
Ora, ele tinha duas naturezas, uma de homem e outra de lobo, que não se ajudavam mutuamente.
Quantos de nós carregamos esses dois seres em nosso interior? Uma parte divina e outra satânica, sangue materno e paterno, capacidades para a ventura e para a desgraça, atitudes sublimes ou sórdidas?
Quem consegue escolher a natureza predominante e quem se deixa dominar ou ser levado pelo lobo?
“Entre os homens dessa espécie surgiu o perigoso e terrível pensamento de que, talvez, toda a vida do homem não passa de um espantoso erro, de um aborto brutal da mãe primeva, um cruel e selvagem intento frustrado da Natureza.
Mas entre eles surgiu também a ideia de que o homem talvez não seja apenas um animal dotado de razão, mas o filho de Deus destinado à imortalidade.” (Hesse)
Thomas Hobbes disse que “O homem é o lobo do homem”, o que é discutido por Freud no livro “O mal estar na civilização”.
O homem, entretanto, pode ser o lobo de si próprio se não souber se reconhecer.
O sociólogo Ulrich Beck, em “Sociedade de Risco”, publicado em 1986, antecipou muitos aspectos de uma sociedade que produz riscos e ameaças sobre as bases naturais da vida, bem como as divisões entre natureza, cultura e sociedade.
Seria o homem atuando como lobo da sociedade, escolhido pela própria matilha ou alcateia, embora não respeite o comportamento normal nas matilhas, nas quais todos os indivíduos se beneficiam de serem membros e os fracos são apoiados pelos esforços de lobos mais fortes.
Um ano antes de sua morte, Hesse comentou o Lobo da Estepe: “trata de sofrimentos e necessidades, mas mesmo assim não é o livro de um homem em desespero, mas o de um homem que crê. (…) a história, embora retrate enfermidade e crise, não conduz à destruição e à morte, mas, ao contrário à redenção.”
Prêmio Nobel de Literatura de 1946, Hermann Hesse é um dos autores alemães mais lidos em todo o mundo. Quando morreu, entretanto, era menosprezado.
Um jornal alemão respeitado declarou, em 1962, que a obra de Hermann Hesse não servia nem para ganhar um vaso de flores. Hesse havia acabado de falecer, em decorrência de um derrame cerebral.
O tempo mostrou que o jornal estava errado. Hoje, Hesse está presente em livrarias de todo o mundo, com milhões de cópias publicadas. A obra dele foi traduzida para mais de 60 idiomas.