O triunfo do fracasso

(Arthur Miller, 1915-2005)

Em fevereiro de 1949, Arthur Miller, muito tenso, aguardava a estreia de sua peça “A Morte do Caixeiro Viajante” na Broadway.

Imaginava: que importância teria para aquela multidão, vivendo no clima de prosperidade do após-guerra, a vida e a morte de um homem tão simples e insignificante como um caixeiro-viajante?

Foi um sucesso, inclusive de crítica, para sua surpresa!

Miller, judeu, alimentou-se do fracasso. Quando terminou o segundo grau, em 1932, os sonhos acalentados por seu pai tinham desmoronados, era a Grande Depressão. Ele, então, juntou-se aos milhares de desempregados. Com sorte, conseguiu seu primeiro emprego, como motorista de caminhão. Depois tornou-se garçom, marinheiro e, finalmente, empacotador.

Dois anos depois, com a ajuda governamental, conseguiu matricular-se num curso de dramaturgia! O governo patrocinando a cultura! Que tempos!

Aí, com necessários fracassos, conseguiu criar uma reputação, com a peça ‘Todos eram meus filhos’, na qual denuncia a ação criminosa de um fornecedor de material bélico defeituoso, responsável pela morte de vários pilotos.

Com o reconhecimento, veio também o rótulo de “comunista”, por contrariar interesses hegemônicos.

Quando o “Caixeiro” estreou, começou a perseguição do comitê de atividades antiamericanas, do senador McCarthy. Acabou preso por 30 dias. Durou pouco porque já era famoso e havia há pouco casado com Marilyn Monroe. Sempre há zelosos pela pátria!

Na época, consciente desses processos, Miller escrevia “As feiticeiras de Salém“, sobre o episódio de 1692 que classificava as mulheres destoantes como demoníacas.

Essa história deixava claro que, em qualquer tempo, a caça às feiticeiras permitia um tal abuso de poder por parte de quem o detinha; que os implicados viam-se privados das mais ínfimas condições de defesa.

Na peça “O Caixeiro”, o personagem é demitido, após 34 anos de vida dedicados a uma empresa; seu passado só importava para ele mesmo.

Após todo esse trabalho de mais de três décadas, ele não tem nada. Nem estima, nem sucesso, nem cinquenta dólares para pagar a última prestação do seguro de vida.

As últimas palavras da peça pertencem a sua mulher. Diante de seu túmulo, ela conversa, como se ele a pudesse ouvir. Naquele dia ela fizera o último pagamento da casa. Diz: “Estamos livres! Estamos livres!”.

Willy, o personagem, foi um homem que acreditava poder forjar o seu futuro. Não percebeu os limites impostos pela empresa, pelo mercado do qual dependia, pela insegurança de um sistema que não lhe oferecia nenhuma proteção…

“O que interessa a Miller não é examinar uma suposta vitimização do indivíduo, e sim investigar os meios pelos quais esse indivíduo rende tributo incondicional aos próprios mecanismos que o alienam e exploram” (Rodrigo Lombardi)

Numa entrevista, Miller fala do tabu do fracasso: “Quem fracassa é como se fosse objeto de uma condenação moral … ninguém quer chegar perto desse fracasso”.

Há poucas biografias de fracassados. A sociedade as evita, embora o fracasso seja a esmagadora história de vida de todos nós.

Samuel Smiles publicou, em 1859, um livro que tornou-se um dos mais populares guias para o sucesso. Seu nome: Autoajuda (Self-Help).

“Por que o fracasso não pode ter o seu Plutarco, assim como o sucesso? Porque falar de um fracassado seria excessivamente deprimente, assim como uma leitura não instrutiva”. (Samuel Smiles)

Para ele, haveria vidas que são “esquecíveis”, e muitos dos fracassados da história mereceram sua sina.

Houve um corajoso que escreveu uma história das causas perdidas e as derrotas da Espanha: Fernando Garcia de Cortázar. Mas, para criticar os fracassados:

“Há os aproveitadores do triunfo e os inquilinos da glória; há também fracassados e perdedores, que não merecem o reconhecimento sentimental nem o limbo de uma feliz reparação”. (Cortázar)

Richard Sennett, entretanto, referiu-se ao fracasso como “um grande tabu moderno”. Para ele, a “ética do sucesso” – a ideia de que os indivíduos têm o poder, com perseverança e esforço, de ascender – se mantém dominante no mundo ocidental. Por conseguinte, o fracasso é um tema do qual se tenta fugir.

O sucesso é relativo, não esqueçamos.

Ora, para um tio que tive, o sucesso era possuir um caminhão. Atingiu-o, ao final da vida. Para meu pai, o sucesso era ter comida suficiente para a família; educação para os filhos era inacessível, um luxo.

Outro cara que via mais largamente, Mark Twain, dizia que “ainda nunca houve uma vida desinteressante, pois dentro do exterior mais maçante há um drama, uma comédia e uma tragédia”.

Finalizando, Montaigne: “Todo homem traz consigo a inteira condição humana”.

Publicado por Dorgival Soares

Administrador de empresas, especializado em reestruturação e recuperação de negócios. Minha formação é centrada em finanças, mas atuo com foco nas pessoas.

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