O estelionato do nosso futuro

(Uma caravana na Rota da Seda, fonte: Wikimedia Commons)

Publiquei o texto abaixo em 17 de abril de 2021. Poucos leram, como é natural. Como o assunto permanece atual, resolvi republica-lo. Claro que a dinâmica geopolítica já agregou novos elementos – assim é a História.

É um preparativo sobre um artigo que pretendo escrever sobre o bicentenário da nossa Independência.

Sonhos são as maiores riquezas

“O comandante de um exército poderoso pode ser capturado. A aspiração de um homem comum, jamais.” (Confúcio)

A primeira das treze colônias que deram início aos EUA, a Virgínia, só foi fundada em 1607. O Brasil, então, era centenário.

169 anos depois, os EUA já eram independentes; no Brasil, a demora foi de 322 anos – e, por uma conveniência do príncipe.

Os americanos “do Norte” são a potência que são; nós somos um pária, caminhando para a irrelevância.

Destino? No que os EUA eram mais ricos? O que os diferenciou? As atitudes das pessoas, crenças (principalmente as religiosas) e os processos políticos, resumidamente.

Vejam os casos de reerguimentos de nações arrasadas no pós-guerra, como o Japão, a Alemanha – derrotados -, a União Soviética, Inglaterra e França – vitoriosos.

Coréia do Sul e Singapura deram as costas ao atraso e entraram no clube de desenvolvidos.

E a Suécia que, por exemplo, no século XIX era um país bastante pobre e atualmente é modelo de bem-estar social?

Falta ao Brasil um projeto de nação! Falta-nos união, sonhos comuns, e políticas públicas que nos capacitem, centradas em educação.

E ousadia, para sairmos da mesmice e resgatar nosso potencial. Não podemos deixar as iniciativas a cargo exclusivamente dos nossos representantes: “O momento exige que os homens de bem tenham a audácia dos canalhas“, dizia Benjamin Disraeli.

“Por que eu deveria ser como todo mundo? Só porque nasci numa família pobre?” (Michael Zhang)

Esta introdução é para falar da China, que independentemente do regime político, tem conseguido almejar um espaço hegemônico.

Não vou falar dos erros históricos; só do seu soerguimento.

Aquela China de empresas “maquiladoras” logo será uma lenda, assim como foram os produtos japoneses dos anos 60 e os coreanos, dos 80.

O país tem se tornado referência em inovação e patentes (já é o segundo país; o Brasil é o 34º) ao criar iniciativas de empreendedorismo e da tecnologia.

É o “Sonho Chinês”: a reconquista do papel de grande motor de inovação do mundo. Alguns exemplos:

  • Em novembro do ano passado, a China colocou em órbita o primeiro satélite com ‘tecnologia 6G’ do mundo, equipado com um transmissor e receptor capaz de comunicação na faixa de frequência dos Terahertz, o que tem como vantagens uma abundância de espectro e alta taxa de transmissão.
  • A Inteligência Artificial está em rápido desenvolvimento, impulsionada pela política estratégica de fusão civil-militar para a supremacia tecnológica global.
  • A engenharia genética ganhou as manchetes com os primeiros bebês geneticamente modificados, criados por um geneticista chinês. Eticamente questionável (três anos de prisão), porém mostra que o país está num estágio diferenciado.

Além de empenhar-se na inovação científica e tecnológica, atua na construção de um forte mercado interno, no fortalecimento das áreas rurais (a produção anual de cereais chega a 670 milhões de toneladas – o Brasil produz 268 Mt) , e no desenvolvimento verde. Há metas para até 2050.

Do ponto de vista geopolítico a ambição é enorme, com o projeto “Belt and Road Initiative“, a Nova Rota da Seda, que liga Ásia, Oriente Médio, Europa e África, por meio de ferrovias, portos e outras obras de infraestrutura. Para os que dizem que se trata de colonialismo, seria irônico ver a Europa sendo “colonizada”.

O governo brasileiro atual é refratário a parcerias com a China. Alega-se sua ideologia, comunista, como se ela estivesse preocupada em disseminar seu sistema político.

A ideologia da China é o já citado “Sonho Chinês”: restabelecer sua supremacia em tecnologia e o consequente bem-estar do seu povo. Pragmatismo.

Pragmatismo, entretanto, é condenado por Olavo de Carvalho, para quem “Marxismo, pragmatismo, nietzscheanismo e freudismo nada nos dizem a respeito da realidade, mas tudo a respeito da mentalidade de seus adeptos. São os quatro pilares do barbarismo contemporâneo”.

O seu discípulo, ex-ministro Ernesto Araújo, repetia: “O Brasil não vai vender sua alma para exportar minério de ferro e soja”, a respeito de se evitar maior contágio com a China.

O presidente também não vê muita importância em trabalhos conjuntos com a China: “… a China precisa muito mais de nós”, acredita.

Sua confiança reside na crescente importação de minérios e grãos pela China. Sim. Mas, até quando estaremos com toda essa bola?

Desde 2006, os chineses vêm ajudando os africanos a construir centros de ciências agrárias e oferecendo bolsas para jovens africanos na China.

No final do ano passado, a China formalizou um acordo de compra de soja da Tanzânia, país que tem na agricultura sua principal atividade econômica. Volume irrelevante, mas é o início da colheita dos seus planos de longo prazo.

A Tanzânia era o último país africano que não tinha tratado de comércio agrícola com a China.

Firmou, também, uma parceria com a Rússia, pela qual se compromete a aumentar as compras de soja da Rússia para quase 4 milhões de toneladas.

Enquanto diversifica suas fontes de abastecimento, estende sua influência geopolítica!

“…a diversificação geopolítica e comercial que a China está fazendo é o que o Brasil deveria fazer.

Uma relação comercial pragmática, na qual prevalece o interesse de longo prazo.

Enquanto a China planeja seu futuro pelas próximas décadas, o Brasil não consegue criar políticas públicas de comércio nem de quatro em quatro anos.

Essa falta de coordenação explica por que a China, que tinha um PIB inferior ao brasileiro no fim da década de 1970, hoje tem um PIB cinco vezes maior.” (Andre Inohara)

O mesmo raciocínio se aplica aos minérios.

“No idioma chinês a palavra “Mìng” está fortemente vinculada ao Céu, como “comando ou mandato do Céu”.

Era o Céu que nomeava o imperador, e essa nomeação era sua justificativa para o cargo.

Mas isso, como contrapartida, obrigava-o a se manter espiritualmente digno dessa função. Dessa forma, o imperador, diferentemente do que ocorria no Ocidente, não tinha direito divino para governar, ele recebia um mandato divino para tal.

Caso ele se mostrasse impróprio para o cargo, interpretava-se que o Céu tinha revogado o mandato, e assim se justificavam as mudanças dinásticas.” (Jorge Vulibrun)

Então, o imperador estava fadado a governar, senão …

Publicado por Dorgival Soares

Administrador de empresas, especializado em reestruturação e recuperação de negócios. Minha formação é centrada em finanças, mas atuo com foco nas pessoas.

Um comentário em “O estelionato do nosso futuro

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