
“Vista da distância da lua, o que há de mais impressionante com a Terra, o que nos deixa sem ar, é o fato dela estar viva.
As fotografias mostram em primeiro plano a superfície da lua, pulverizada e seca, tão morta como um osso velho. No espaço, flutuando livre embaixo da membrana úmida e cintilante de um luminoso céu azul, surge a Terra, o que há de exuberante nesta parte do cosmo. (…)” (Lewis Thomas)
Na última terça-feira, 26 de julho, James Lovelock despediu-se de Gaia, aos 103 anos.
Lovelock resgatou, nos anos 1970, a ideia dos gregos antigos de que a Terra era uma deusa viva, Gaia.
A ideia não teve suporte científico e foi ridicularizada pelos defensores do “deixa como está”. Foi considerada uma mistura de misticismos que atribuíam ao planeta uma espécie de “consciência cósmica”.
Segundo a teoria, os seres vivos interagiam com as formas inorgânicas para formar uma espécie de superorganismo; seria um sistema complexo responsável pela autorregulação do ambiente e garantiria a vida.
Faz sentido, metaforicamente. Tudo está relacionado e, portanto, há impactos inesperados no ambiente a partir do que cada agente faça, ou se omita.
Por outro lado, a Natureza é indiferente “moralmente” a essas perturbações; ela não distingue nem protege “maternalmente” nenhuma espécie, sequer o suprassumo da criação, os humanos.
“A natureza / não tem preocupações morais. / A natureza não mata / nem odeia. / Ou melhor: / mata e ama / de igual maneira / e todo movimento / é desejo / de viver.” (Affonso Romano de Sant’Anna)
O equilíbrio na Natureza é dinâmico; estabilidade é algo estranho à vida.
Nós, os sapiens, causamos, desde principalmente a Revolução Industrial, mais mudanças no planeta do que grande parte dos acidentes geológicos: agricultura, mineração, estradas, exploração energética, ataque à biodiversidade, destruição de ecossistemas, poluição etc.
Criamos nosso próprio período geológico, o Antropoceno, que substitui o Holoceno, o período que durou cerca de dez mil anos, desde a última glaciação. Não é pouco!
Nesse processo, confiante na autossuficiência do progresso, temos a Tecnosfera, que se transforma num superorganismo, complexo e descentralizado, que se pretende onisciente, onipotente e onipresente.
A Hipótese Gaia não é nova:
- Além dos gregos, Leonardo da Vinci via o corpo humano como o microcosmo da Terra, e a Terra como o macrocosmo do corpo humano. Hoje sabemos que o corpo humano é um macrocosmo de outros elementos – bactérias, parasitas, vírus, fungos – além de nossas células.
- Giordano Bruno sustentava que a Terra estava viva, e que outros planetas também poderiam estar. Não se deu bem.
- James Hutton, geólogo, via a Terra como um sistema autorregulador, em 1785.
- T. H. Huxley, biólogo, conhecido como o “buldogue de Darwin“, também percebia a Terra da mesma forma, em 1877.
- Vladimir I. Vernadsky, geoquímico, entendia o funcionamento da biosfera como uma força geológica que cria um desequilíbrio dinâmico que, por sua vez, promove a diversidade da vida.
Atualmente, os cientistas admitem que o “sistema da Terra se comporta como um sistema único e autorregulador composto de componentes físicos, químicos, biológicos e humanos. As interações e feedbacks entre os componentes são complexos e exibem uma variabilidade temporal e espacial multiescala.”
“Crescemos em número a ponto de nossa presença estar perceptivelmente incapacitando nosso planeta, como uma doença.
À semelhança das doenças humanas, quatro são os resultados possíveis: destruição dos organismos invasores, infecção crônica, destruição do hospedeiro ou simbiose – um relacionamento duradouro, beneficiando mutuamente hospedeiro e invasor.” (James Lovelock)
Raramente vemos as coisas como um todo complexo. Queremos acreditar que a ciência, o ferramental tecnológico e as forças do mercado saberão lidar com as transformações em curso. É uma nova religião.
Ou, tenhamos fé, como a madre Teresa, que disse, em 1988: “Por que devemos cuidar da Terra, quando nosso dever é para com os pobres e enfermos entre nós? Deus cuidará da Terra.”