Caos e Criação

(Fractais)

Na mitologia grega, por Hesíodo, tem-se que “Sim, bem primeiro nasceu Caos, depois também Terra (Gaia) de amplo seio, de todos sede irresvalável sempre, dos imortais que têm a cabeça do Olimpo nevado …”

No Gênesis, cita-se que “a terra estava vazia e vaga, as trevas cobriam o abismo (…)” (Gn 1, 2). Em hebraico: ‘tohû‘ e ‘bohû‘, “o deserto e o vazio”, expressão que se tornou proverbial para toda falta de ordem. Este versículo descreve a situação de caos que precede a criação, segundo a Bíblia de Jerusalém.

Nas Metamorfoses de Ovídio, os versos 5 a 9 narram o mundo sendo criado a partir do caos: “Antes de existirem o oceano, a terra e os céus cobrindo tudo/ a Natureza mostrava apenas uma única face no mundo inteiro. / Caos era seu nome: uma massa bruta, informe,/ nada mais que um peso inerte e, nele acumuladas,/ as sementes das coisas, num grande amontoado.”

Primeiro o caos, em seguida, depois que ele foi separado e superado, o cosmos. No caos há potencialidade na forma de indiferença; no cosmos há “realidade” na forma de diferença.

Na mitologia contada por Ovídio, assim como na poesia de Hesíodo, o caos não tem gênese alguma. Ao contrário, ele é a base opaca e primária, o pressuposto de toda gênese.

Para Ovídio, o mundo só poderia tornar-se habitável para os deuses do Olimpo e para os seres humanos mediante a negação do caos.

Hesíodo, diferentemente, assume que o caos não é absorvido pela diferenciação do mundo: o caos primogênito e seus sucessores, a negra Noite (Nix), o Érebo e outras monstruosidades nefandas constituem uma contrapartida do mundo diferenciado.

O oceano, os céus, as montanhas, Urano, Cronos e os deuses do Olimpo – o mundo positivo – não emergem do caos, mas de Gaia, que foi a segunda a nascer de forma autóctone. E, em alguns momentos, os descendentes do Caos e de Gaia se entrelaçam.

Na mitologia Hindu, não há “criação original”, porque o tempo é infinito, com universos cíclicos. O universo atual foi precedido e será seguido por um número infinito de universos, movidos por três tendências ou qualidades (gunas): bondade (sattva), paixão (rajás) e escuridão (tamas).

Nos dias atuais, admite-se que já não existe nenhum caos puro e nenhuma ordem pura, com o caos associado às características de fertilidade e vida. Não é apenas a ordem que está permeada de caos; o caos também sempre traz consigo uma ordem.

A teoria do caos critica as “totalidades”, a “realidade”, o “absoluto”; ou seja, critica as idealizações.

“Se algo é um sistema, não é absoluto. A unidade absoluta seria algo como um caos de sistemas”, resumia Friedrich Schlegel, poeta, no século XIX.

Jacques Derrida (1930-2004), na sua teoria da Desconstrução, descobre em todas as ordens aparentemente fechadas e oposições estáveis aspectos que lhes minam e finalmente apagam o controle.

“Desconstruir é de certo modo resistir à tirania do Um, do logos, da metafísica (ocidental) na própria língua em que é enunciada, com a ajuda do próprio material deslocado, movido com fins de reconstruções cambiantes.” (Elizabeth Roudinesco)

“A teoria sociológica de sistemas, que tomou emprestada a teoria da auto-organização, integra precisamente a imprevisibilidade dos acontecimentos ao funcionamento de um sistema.

Demonstra, assim, sua flexibilidade e capacidade de processar informações e evoluir.” (Winfried Menninghaus)

A ordem que simplesmente exclui o caos funciona pior do que a ordem que a ele permanece aberta e para ele está sempre orientada.

Para a teoria dos sistemas dinâmicos, segundo Norbert Bolz, o caos é celebrado como uma “estética de risco, como o próprio modelo do que estimula a vida; perigos de incertezas transformam-se em possibilidades de surpresa.”

O próprio “mal” parece ser redefinido como valor positivo. Podemos aceitar a inderivabilidade, a imprevisibilidade, a incerteza e as trajetórias caóticas como as próprias características da vida e como a oportunidade de liberdade, em vez de depender de origens estáveis e teleologias.

Há o risco, entretanto, de termos a teoria do caos assimilada ao pensamento capitalista mais frio, o “iluminado” pensamento neoliberal, como no libertarianismo – e outras formas de anarcocapitalismo – que, no fundo, pregam liberdade para a elite empresarial dos ricos capitalistas.

Publicado por Dorgival Soares

Administrador de empresas, especializado em reestruturação e recuperação de negócios. Minha formação é centrada em finanças, mas atuo com foco nas pessoas.

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