Sobre a mediocridade rasteira

“Até neste belo mundo há infelizes. Mas, que é afinal a infelicidade?”, perguntava-se Nietzsche, aos 15 anos. Anotou, também, que “infinita é a procura da verdade”, o que se tornaria sua inquietação por toda a vida, enquanto lúcido.

Nessa busca, ele que poderia ter se tornado um pastor luterano, como o pai – trajetória interrompida com a loucura (também) do pai – passa a questionar o “saber” de séculos da religião e descobre as ciências naturais.

Mas, como dar crédito às ciências (o racionalismo) se estas não conseguem esboçar um sistema convincente do real? E, o espírito, por outro lado, também não percebe uma unidade ou sentido da história universal, nem os princípios mais essenciais?

Essas questões o levam a pregar a “afirmação da vida” como alternativa, duvidando de qualquer doutrina que impeça esta afirmação e, rejeitando-se o aceito como “normal”.

Um pouco do que viria a dizer Carl Gustav Jung: “Só os medíocres aspiram à normalidade.”

“(…) Que é a humanidade? Mal o sabemos: um degrau num conjunto, um período num eterno vir-a-ser, ou obra arbitrária de Deus?

O homem é acaso algo mais que um ser evoluído através dos mundos intermediários das floras e das faunas?

É desde o presente um ser acabado, ou que lhe reservará a história?

O ‘devenir’ eterno não terá um fim? Quais são as molas desse grande relógio?

Estão ocultas; mas, por longa que seja a duração da grande hora que chamamos a história, a cada instante as horas são as mesmas.

As peripécias estão inscritas no mostrador: o ponteiro caminha, e quando houver soado a duodécima hora, recomeça uma série, é o prólogo de um período na história da humanidade.

Aventurar-se, sem guia nem compasso, no oceano da dúvida, é perdição e loucura para os cérebros jovens; a maior parte é destruída pela tempestade, e pequeno o número dos que descobrem as regiões novas …

Comumente a filosofia se me representa como uma torre de Babel …

Um turbilhão infinito de pensamentos populares é o resultado desolador; devemos ater-nos aos grandes movimentos, ao dia em que a multidão compreenda que todo o cristianismo está fundamentado sobre afirmações gratuitas.

Mas a existência de Deus, a imortalidade, a autoridade da Bíblia, a revelação, ficarão para sempre como problemas.

Eu ensaiei negar tudo: ah! destruir é fácil, mas construir!”

(Trecho de uma carta de Nietzsche, não datada)

“O combate é o alimento que torna a alma forte”, escreve, após conhecer a obra de Hölderlin.

Um de seus grandes medos era a mediocridade rasteira. Seu ideal seria o “além-homem” (Übermensch), o sujeito forte o suficiente para criar seus próprios valores, forte o suficiente para viver sem o conforto da moral tradicional.

O oposto do “além-homem” seria o que chamava de “o último homem” (der letzte Mensch). Para estes homens, “enfraquecer e desconfiar parece-lhes pecaminoso; anda-se com cautela.”

Nietzsche considerava desprezível a falta de esforço e ambição do “último homem”, sua submissão e atração pelos “pequenos prazeres”.

“Dá-nos esse último homem, Zaratustra (…) Torna-nos semelhantes a esses últimos homens!”, pedia a multidão.

Acho que Zaratustra concedeu.

Nietzsche também previu o surgimento da anomia, do ponto de vista da Psicologia Social, e, a disseminação da sensação de angústia e da falta de sentido, que tornam nosso ambiente altamente perturbador.

Quanto a acusar-se Nietzsche de inspirador do nazismo, parece algo infundado, ou distorcido. Ele desprezava severamente os antissemitas. E, em certos momentos, não houve uma crítica mais dura do nacionalismo racista alemão.

Chegou a desejar que seu livro (póstumo) “Vontade de Potência” fosse “escrito em francês para que não parecesse um fortalecimento de qualquer aspiração imperialista alemã.”

Publicado por Dorgival Soares

Administrador de empresas, especializado em reestruturação e recuperação de negócios. Minha formação é centrada em finanças, mas atuo com foco nas pessoas.

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