
“Aonde quer que eu vá, descubro que um poeta esteve lá antes de mim.” (Sigmund Freud)
Como nos comportaríamos se tivéssemos o manto da invisibilidade, se pudéssemos escolher ser ou não visto? Como se possuíssemos o anel de Giges, conforme a fábula contada por Glauco, irmão mais velho de Platão, na República:
“… debruçando-se para o interior, viu um cadáver que parecia maior do que o de um homem e que tinha na mão um anel de ouro, de que se apoderou; depois partiu sem levar mais nada.
Com esse anel no dedo, foi assistir à assembleia habitual dos pastores, que se realizava todos os meses, para informar ao rei o estado dos seus rebanhos.
Tendo ocupado o seu lugar no meio dos outros, virou sem querer o engaste do anel para o interior da mão; imediatamente se tornou invisível aos seus vizinhos, que
falaram dele como se não se encontrasse ali.Assustado, apalpou novamente o anel, virou o engaste para fora e tornou-se visível. (…)”
Esse poder nos corromperia ou nos revelaria, em termos de caráter, pela prerrogativa de inimputabilidade?
A vida real nos impõe atitudes e posicionamentos que se expressam em papéis sociais e requerem decisões sobre nossos estágios de amadurecimento, limiares que dividem nossa evolução.
Muitas pessoas, entretanto, se recusam a fazer essas transições, permanecendo envelhecidas e alienadas do processo natural da vida, pessoal e social.
Essas pessoas tendem a ser falsas, inautênticas, frágeis e … perigosas.
Sri Aurobindo alertava sobre esse ser escravo do falso, do limitado e do aparente:
“O que é então o eu que tu tens de transcender, e o que é o Eu que tu tens de te tornar? Porque é aqui que tu não deverias fazer nenhum erro; pois esse erro de não te conheceres a ti mesmo é a fonte de todas as tuas tristezas e a causa de todos os teus tropeços.”
Poeticamente, Gibran nos fala desse desnudamento, da descoberta do ser após a perda de nossas múltiplas máscaras e da aceitação do natural.
A sociedade, no entanto, acostumada ao palco, estranha o verdadeiro que se assume.
O LOUCO (Khalil Gibran)
“Perguntais-me como me tornei louco.
Aconteceu assim:
Um dia, muito tempo antes de muitos deuses terem nascido, despertei de um sono profundo e notei que todas as minhas máscaras tinham sido roubadas – as sete máscaras que eu havia confeccionado e usado em sete vidas – e corri sem máscara pelas ruas cheias de gente gritando: ‘Ladrões, ladrões, malditos ladrões!’
Homens e mulheres riram de mim e alguns correram para casa, com medo de mim.E quando cheguei à praça do mercado, um garoto trepado no telhado de uma casa gritou: ‘É um louco!’ Olhei para cima, para vê-lo.
O sol beijou pela primeira vez minha face nua.
Pela primeira vez, o sol beijava minha face nua, e minha alma inflamou-se de amor pelo sol, e não desejei mais minhas máscaras.E, como num transe, gritei: ‘Benditos, benditos os ladrões que roubaram minhas máscaras!’
Assim me tornei louco.
E encontrei tanto liberdade como segurança em minha loucura: a liberdade da solidão e a segurança de não ser compreendido, pois aquele que nos compreende escraviza alguma coisa em nós.”
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